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Edivan Rodrigues

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O rádio do major Galdino

15/03/2009 às 17h54

Francisco Cartaxo

Quando não havia a Rádio Cajazeiras nem a Rádio Alto Piranhas nem tevê nem o transistor nem FM nem internet as notícias chegavam, pelas ondas curtas, de lugares distantes do mundo. Ou através de jornais entregues pelo correio, muitas vezes, dois e três números embrulhados num só pacote endereçado ao assinante. Eram poucos os receptores de rádio em Cajazeiras até o começo dos anos 1950. Todos de válvulas, pareciam um móvel que reinava, imponente, na hora do rádio-teatro ou do noticiário.

Meu pai me levava à casa de Galdino Pires Ferreira para ouvir as notícias, eu me sentindo o menino mais importante do mundo. O major Galdino consultava o relógio, mexia num botão e dele saia o som claro da voz do locutor, “Estação de Londres da BBC”, e logo soavam badaladas do Big Bem. (Ou era o contrário?). Ouvido o noticiário, o major desligava. Minutos depois voltava a levantar-se, religava o rádio e agora outro o timbre de voz, sensacionalista, interrompia qualquer conversa. Era o Repórter Esso, do Rádio Jornal do Comércio do Recife, religiosamente escutado pelos dois velhos, o pai e o tio afim do menino. Um deslumbre.

Já fiz enorme esforço para arrancar de memória que notícia eu guardei daquela época. Nada lembro. Seria no tempo da guerra? Não, eu era muito pequeno ainda. Uma coisa porém aflora de vez em quando, o comentário do meu pai em tom de confidência: Galdino só se interessa pela cotação do preço do algodão nas praças de Liverpool e do Recife. Ironia do poeta para marcar a diferença que o separava do cunhado rico. Durante todos esses anos jamais consegui despregar de minha alma a farpa jogada no marido de tia Cartuxinha.

O major Galdino Pires era então a maior fortuna de Cajazeiras, puxada pela usina de algodão, óleo e sabão Sol Levante (por que o motel é Sol Poente e não Sol Levante?) e composta por muitas propriedades, algumas herdadas do sogro, o major Higino Rolim, e outras agregadas mercê de suas habilidades para os negócios. Habilidades que vinham de longe quando aportou a Cajazeiras ainda muito jovem, pobre e batalhador.

Quando o golpe de 1964 se firmou no Brasil e a censura caiu forte sobre os meios de comunicação social, ouvir a BBC incorporou-se à rotina de muitos de nós, sequiosos por escutar as notícias proibidas na mídia brasileira, e comentá-las com amigos de total confiança. E só com eles, tal era o clima de insegurança e terror dominante naqueles anos difíceis para a democracia no Brasil.

Essas nostálgicas recordações me chegam com a leitura do livro “Vozes de Londres – Memórias brasileiras da BBC”, de Laurindo Leal Filho, (Edusp, 2008), proveitoso elenco de histórias, personagens e idéias geradas pelas transmissões em língua portuguesa da BBC, que foi ao ar em ondas curtas durante 67 anos, de março de 1938 até março de 2005. Hoje, a BBC adaptou-se à era da tecnologia da informação, mantendo o mesmo padrão de seriedade e sobriedade.

E o rádio do major Galdino? Desconfio que ainda está no casarão da praça em sua homenagem. Quando nada como um móvel decorativo.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

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