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Gildemar Pontes

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O último vôo do caboré – Ao Mestre com carinho

10/11/2015 às 12h39

Por Carlos Gildemar Pontes – [email protected]

Um homem que saiu de um sitiozinho, na cidade de São Mamede, interior da Paraíba e ganhou o mundo. Aderson Graciano de Oliveira, baixinho, negro, carregou o estigma da raça e das mãos calejadas de enxada que foi a sua primeira caneta, na escola da vida no campo. 

Quando se viu adolescente e sentiu a brisa vinda do mar, o vento Aracati varrendo os sertões, resolveu ganhar o mundo. Abraçou o Seminário da Prainha em Fortaleza para de tornar padre. Dava pra ver o mar todo dia, o cheiro da maresia, sentir o vento alisando sua pele queimada de sol. Mas em Fortaleza descobriu a sua verdadeira vocação, o seu sacerdócio maior era a educação. Formou-se em Letras na Universidade Federal do Ceará e teve oportunidade de se tornar professor daquela instituição, mas o caboré tinha outros planos de voo. Conseguiu amizade com um alemão que era professor leitor da UFC, Helmut Feldmann, e resolveu conhecer a Alemanha.

Estudou alemão e desembarcou em Lisboa, numa tarde de fado, que logo lhe deu as boas vindas quando viu no Tejo, o mesmo rio do poema de Fernando Pessoa. Morou em Lisboa e depois em Colônia, onde trabalhou numa fábrica junto com outros imigrantes portugueses, espanhóis, franceses, gregos e turcos. Dessa experiência aprendeu espanhol e francês e conheceu a França de Rodin e a Espanha de Lorca. 

Era a Alemanha, no entanto, que fascinava o homem de pouco mais de um metro e meio. Ali, no meio daqueles homens altos e brancos, fez valer o seu valor intelectual adquirido no Seminário e na Faculdade de Letras. Aderson falava e discutia em alemão aquilo que os alemães aculturados estavam acostumados a fazer. O moleque desencaliçou as mãos e passou a usar a caneta como símbolo de muitas vitórias em sua vida. Como todo sertanejo, como todo caboré no fim de tarde, Aderson espiava o movimento de Colônia e sentia saudades do seu rincão, da sua Paraíba sertaneja. Um sentimento que não se pode traduzir, porque é fruto de um mundo sem guerras, sem pestes, sem o caos da civilização. 

Um belo dia acordou e fez as malas. Decretou para ele mesmo o seu retorno. Iria voltar para dizer que venceu. Que andou outras terras e como um Dom Quixote conquistou mais que moinhos de vento. Voltava para sua terra que não lhe cabia mais. Em pouco tempo, tornou-se professor da Universidade Federal da Paraíba, justo em Cajazeiras, uma cidade com tradição religiosa sob a herança educacional do professor Padre Rolim. 

Foi aqui, nesta Universidade que Aderson viu crescer e florescer muitas pessoas vindas de estados vizinhos e de várias cidades da Paraíba. O homem de muitas qualidades ensinava Língua Portuguesa no Curso de Letras. Teve uma relação um pouco tumultuada com a família. Foi pai, avô e esposo. E quem lhe conhecia sabe que ele fazia com dedicação.

 

Hoje soubemos que o caboré foi embora sem avisar. Cansou. Porque a vida de um batalhador tem o limite do corpo e seu descanso foi a morte. Costumávamos conversar sobre a Europa. Dizia-lhe que segui os seus passos na Alemanha. E ele ria. Sabia que eu tivera o mesmo encanto que ele teve quando passou por lá. Eu admirava muito o professor Aderson. Era como um pai com quem eu discutia competências do intelecto, amenidades, literatura. 

Tive a honra de escrever uma apresentação em seu primeiro livro, Olhares de um caboré. Tinha o amigo mais dois livros que estava trabalhando. Encontramo-nos mês passado e almoçamos juntos. Ele estava cansado, o passo miúdo, o olhar de caboré distante, como se avisasse para nós que seu voo estava próximo. Estamos tristes, seus colegas, ex-alunos e admiradores. Vamos sentir a falta daquele senhor de cabelos brancos que para muitos era rabugento, que gesticulava quando empolgado em alguma defesa de ideia. 

Na verdade ele era um doce, um menino que esqueceu de crescer, mas não esqueceu de dar lições pela vida como um grande professor. Um imenso abraço e um grande beijo neste caboré que se tornou mestre, com carinho!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Gildemar Pontes

Gildemar Pontes

Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

Gildemar Pontes

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Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

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