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Abraão Vitoriano

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Panorâmica ortodôntica: uma experiência alienígena

05/08/2015 às 20h52

Por Abraão Vitoriano

Segunda-feira. 11 horas da manhã. Decido fazer a panorâmica, adiada há dias. No consultório, poucas pessoas. Dois homens. Uma mulher de salto alto. O ambiente cheira a limpeza, paredes de tons pastel e salmons, gelágua discreto no canto da sala. Noto o exausto semblante da atendente, que tenta ser simpática pedindo para “eu esperar só um pouquinho”. [Não curto diminutivos, quase todos são embainhados de falsidades]. Vou ao gelágua e, para minha surpresa, colho um a um os últimos pingos d’água. Bebo-os solenemente, como se degustasse café, para despistar minha angústia. O bebedouro seco não seria um sinal?

Escuto meu nome, a moça engole um “a”: “senhor, Abrão, por aqui!” A perdoei porque também não sei as várias formas do verbo haver, que é um errinho destes comparado ao meu pavor de exames? Será que estou com mau hálito? Limpo rapidamente a língua na ponta da camisa. São duas salas, depois mais uma e o branco pelo branco toma conta do pedaço. A moça vestida de azul dá os comandos, vestindo-me um colete verde. Posiciona minha cabeça nos agulos x, y e z. Máquinas de formatos estranhos começam a trabalhar ao meu redor. “O senhor não pode se mexer, pressione os dentes e sorria.” Os verbos no imperativo, meu corpo estático, estou numa experiência alienígena? Entro em pânico, mas disfarço engolindo litros de saliva. Mais uma máquina, esta agora enfia dois pinos nos meus ouvidos. Estou pé. Estou com medo. A moça fala pouco e quando o faz diz coisas assim: “é para você morder sorrindo”. Ela nem desconfia que conheço a fundo tal paradoxo. Mas, neste momento, sou hipérbole. Sigo por um corredor branco, o perfume assustador de cadeira de dentista inflama os ares.

Mais uma sala, dividida em duas partes: na primeira, a moça me obriga a ficar sentado em diferentes posições, fotografa cenas nas quais sou o cão raivoso a mostrar os caninos; noutra, sou o sorriso “pelo bem do povo” de certos candidatos políticos. Ela mexe na máquina de um jeito esquisito, talvez esteja criptografando uma mensagem para o além. Antes de terminar o Pai Nosso, sento numa cadeira alva de design questionável, bom gosto passou longe. [Em Marte há liquadações de estofados?] A moça utiliza pequenas espátulas com cera para tirar medidas, pressiona-as fortemente em minha boca. Arrocho as mãos sobre o peito e estico os pés, sou o bailarino do teatro municipal a coreografar o óbito. Sinto que meus dentes vão cair, minha mandíbula vai sair do lugar. A qualquer hora a espaçonave irá chegar, penso em silêncio e minhas pupilas falam por mim. O que fiz na terra para ser um experimento de aliens?  Steven Spielberg nem falou comigo. A moça diz que acabou, esboça um meio sorriso e corro pelo corredor antes que a suntuosa luz me puxe. Não sei se choro, rio ou se, depois desta, viro logo a extraterreste Monalisa. 

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

Contato: [email protected]

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

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