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Mariana Moreira

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Para Palado, uma esperança equilibrista

08/05/2020 às 08h19

Coluna de Mariana Moreira

Na minha infância, nas bandas de Impueiras, a convivência com loucos era comum. Uma época distante do “politicamente correto” onde doido era doido mesmo e, para reforçar este estado mental, ainda se engordava essa classificação com “doido varrido”.

Assim é que convivemos com Palado de Ciço Vilatino que era visita constante em nossa casa. Com a fala embolada como se a natureza tivesse lhe beneficiado com mais de uma língua ele chegava avexado e, grandalhão, ia entrando sem pedir licença, despertando em buliçosos olhos infantis sentimentos de medo, curiosidade e graça. De repente, alguns dias no mês, Palado sumia. Os mais velhos justificavam: era período de lua nova e a doideira “agressiva”.

Palado estava em casa, amarrado e preso em um quarto para não machucar as pessoas.

Palado era doido, mas não era violento e, mesmo com o descompasso mental, tinha discernimento para conhecer a casa de Raimundo Moura, meu pai, de Raimundo Guedes, primo do meu pai, que morava no Bom Jardim, de Cazuza de Romualdo, outro primo que, proprietário de budega, também acolhia e recebia bem Palado. Eram visitas engraçadas, mas jamais agressivas, maldosas. E, quando meu pai desejava que Palado voltasse para sua casa lhe entregava um pedaço de papel rabiscado e lhe determinava: “vá deixar esse recado a compadre Cazuza”.

E assim, como Palado, outros tantos doidos transitaram pelas nossas vidas. Apaixonando-nos e encantando pela exuberante capacidade de enxergar o mundo além das lentes polidas da civilidade ou das regras e etiquetas sociais.

Esses, sim, são doidos.

E, quando em alguma crise mais aguçadas, tinham comportamentos violentos, eram detidos com as estratégias adequadas ao momento. Portanto, doideira, para mim, jamais foi tradução de maldade, presunção, prepotência, instinto assassino.

Com frequência, na atual conjuntura, escuto justificativas para os atos desumanos e exterminadores do atual presidente como consequência de estado de loucura. A loucura, como define os especialistas, não planeja suas ações, não seleciona suas vítimas a partir de uma perspectiva prévia que se configura em critérios políticos, sociais, culturais. A loucura não se alimenta do ódio aos que lhes opõem qualquer argumento discordante. A loucura não suscita ou estimula a raiva, e, inclusive, o assassinato, contra pessoas apenas por divergências de opinião, crença, posição política.

Neste cenário de ditadores sanguinários mascarados de “democratas” ungidos pelas urnas, me acode a lembrança de Palado e o desejo de lhe entregar um papel rabiscado com a solicitação de varrer, do Planalto Central do Brasil, essa horda de assassinos milicianos que estão transformando nosso país em um picadeiro de macabro espetáculo de dor, tristeza e, como nos anima Aldir Blanc e João Bosco, fazendo chorar “a nossa pátria mãe gentil”.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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