Parada das Miudezas
Por Cristina Moura – A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco anos de idade, no entanto, essa entrada dependia de quem liderasse o roteiro. Certa vez, Titia Nina foi a condutora das minhas aventuras no Centro comercial. Passar no Mercado Público, procurar um produto, dar um recado, verificar preços, beber caldo de cana, comer pastel, conversar e conversar. Eu já fazia reportagens e nem sabia.
Na Rua Padre Manoel Mariano, a gostosa Rua dos Legumes, estava, então, a Parada. Era comum, perto da entrada, avistar um varal, às vezes com balões e fitas, expondo brinquedos. Todos convidativos. Todos à venda, com suas promoções, seus dizeres, suas etiquetas penduradas. Nesse dia, com minha tia materna, meu olhar fuzilou uma enorme bola de plástico. Hipnótica, linda, rosa-choque, pontilhada de outras cores e tons cintilantes. Meu ego desejava. Fiquei pensativa.
De forma racional, eu não teria onde brincar. Qualquer murro naquela nave espacial rechonchuda seria um incômodo para a vizinhança. Meu endereço era na Rua Coronel Justino Bezerra, a movimentada Feira das Galinhas, numa casa originada pelo talento da equipe de Seu João Gonçalves, João Abelhinha. O formato das casas era semelhante e os muros que separavam os quintais não eram tão altos. Incomodar vizinho, nem pensar. Só se eu quisesse levar carão. Nessa época, Seu Fransquinho e Dona Guida e filhos moravam do lado esquerdo; do outro, a família de Dona Neuza. E eu tinha que dar um jeito. Fui maquinando.
Minha tia, ao saber daquela ansiedade pelo consumo, propôs um exercício justo, mas muito doloroso. Terrível. Eu ganharia a bola, mas jogaria fora a chupeta. Gente, que martírio. Eu, na minha meninice profunda, aprendendo, num baque, o que era o poder da palavra. Sim, eu aceito. Sim. Sim. No dia seguinte, lá estava o brinquedo dos sonhos. Que alegria. Mas, na boca, ainda reinante a dita coisa salivada.
A repreensão veio num foguete. Baixei a cabeça, segurando o consolo, tremendo, tremendo. Uma tesourinha escolar foi cúmplice da cena. Cortei. Cortei devagarinho. Cada rasgão era um balanço na minha memória. Mais um ano com a geringonça, a mastigação estaria comprometida. A parte que sustentava o bico era meio alaranjada, com um adesivo bonito e chamativo, mostrando um lago com uns patinhos se divertindo. Adeus. Sumiram na lixeira.
A Parada das Miudezas, loja do meu amigo Willame Braga, fez um benefício à minha dentição e, sobretudo, ao meu caráter. Eu, a pequena consumidora, começava a lidar com uma das formas mais duras de sustentar uma promessa. Com o presente nas mãos, mudei na hierarquia, por minha conta. Com poucos centímetros de altura, fui me achando no direito e no dever de auxiliar as colegas que ainda não tinham se libertado da mania. Difícil. Faltava em mim a ciência didática.
Para a espera de alguns adultos invejosos, a bola furou, em poucas semanas. Mas, confesso, eu nem sentia mais falta da moeda de troca. Estava ligada na preparação para a primeira série, uma nova etapa das letras e dos números. Abria-se o Primeiro Grau, período essencial para formar muito do que sou. Os mosaicos da Escola Nossa Senhora do Carmo indicavam outro momento do jogo. Sala maior. Uniforme diferente. Meu Conga azul e branco, um amuleto. E um plano secreto já estava traçado, rumo à próxima libertação: exterminar a colônia de piolhos da cabeleira brilhante. A coceira insistia em me denunciar, em todo canto.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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