Platão e a Selfie
Platão, filósofo grego de por volta do século II a.c, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia ocidental. Em seu texto filosófico clássico, “o mito da caverna”, Platão desenvolve a teoria da existência de dois mundos: O mundo sensível e o mundo inteligível.
No primeiro, residem aqueles que são seduzidos e governados pelas sombras, imagens captadas e refletidas por meio dos sentidos. Aqui toda a realidade é líquida e fluente, nada é estático e duradouro. Toda a realidade oferece apenas uma sensação de permanecia e de incorruptibilidade, ao passo que se constitui o lugar por excelência das imperfeições. Neste mundo sensível, o homem não tem condições de conhecer a si mesmo totalmente, pois esta preso na caverna do autorretrato, da autoimagem e das sombras visíveis. Neste mundo, o conhecimento é apenas inicial e não absoluto. Mas já é alguma coisa de positivo. No segundo e somente nele é possível alcançar o conhecimento de si e as essências maiores do Bem e do Belo.
Em tempos modernos, poderíamos afirmar que o individuo platônico está aprisionado em um novo mundo cavernoso: no mundo da selfie. Esse termo totalmente novo, significa a junção do substantivo self (em inglês "eu", "a própria pessoa") e o sufixo ie – ou. Portanto, Selfie é um tipo de autorretrato produzido a partir de mim mesmo. Acredito que o sellfie está muito mais relacionado á uma visão e compreensão de mundo do que simplesmente representando um comportamento isolado ou individualizado. Mesmo que carreguem em si estas duas características: O isolamento e o individualismo. A Atitude do selfie traz em si um significado antropológico mais profundo. Na nossa era digital, esses rápidos autorretratos são numerosos e florescentes, e não são só o espelho ou o braço erguido que caracterizam as selfies como um gênero, mas também como uma estética particular. O selfie é sobre reflexão, identidade e reconhecimento – seres humanos querem controlar a forma como eles são vistos.
A relação entre o mundo sensível de Platão e o mundo sélfico moderno, caracteriza-se pela predominância de uma existência fundamentada e explicada a partir da imagem captada. O uso da imagem tanto em mundo com em outro, se configura como um novo tipo de identidade antropológica e de novas estruturas simbólicas. A imagem de sí é o ponto de partida para o conhecimento da pessoa que a imagem representa. A tentativa de tal conhecimento a partir de um “não-eu” representado, determina a morte simbólica do “eu mesmo” escondido sob a aparência de involucro humano. O homem e a mulher modernos buscam a si mesmos na imagem "selficada" e tentam reconquistar uma autonomia até então alienada pela instrumentalidade dos sentidos, onde imagens personalizadas produzem sujeitos individualizados sob texturas sociais.
A imagem que é produzida de si mesmo e a partir de si mesmo, se constitui na base para a edificação de um novo arquétipo de realidade, de ser humano. No selfie, o homem e a mulher traz a responsabilidade de produzir, por ele mesmo, os seus significados de autonomia e de poder simbólico sobre o mundo. No Selfie, os homens e as mulheres inauguram um novo gênesis antropológico: Eles tornam-se recriadores de si mesmos enquanto uma nova imagem produzida por autorretratos sempre extensivos.
Existe na mitologia grega, um jovem chamado Narciso. Este, era aquele que ficou conhecido pela sua absurda beleza e impossibilidade de se contemplar, pois segundo o mito, isso lhe renderia conhecimento de só e vida duradoura. Mas ao ver-se refletido nas águas de uma fonte, ele se apaixona pela imagem que vê de si mesmo e em busca desse amor impossível, Narciso funde-se consigo mesmo e sucumbe á própria imagem. Trazendo para o atual contexto, podemos ver tal mito nas tecnologias, principalmente com o uso das redes sociais, e a tão falada “selfies” que não estariam ligadas apenas na intenção de se expor, por meio do seu autorretrato, mas uma busca pelo elogio e olhar do outro de ser admirado reconhecido, e assim, amado.
Definitivamente, não há como negar que o pensamento de Platão continua atual e instigador mesmo depois de séculos passados. Não é a toa que o fundador da Acaddemia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental, está na galeria dos filósofos clássicos. Suas ideias não morrem, são atemporais. Por isso, a tentativa de analisar aspectos importantes da sociedade atual a partir da filosofia de Platão, especificamente este mundo sélfico, a (re) produção de uma nova imagem do homem partir dos seus “autorretratos”, ora como exibição de sí ora como autoafirmação de uma autoimagem alienada é um desafio que se apresenta altamente relevante.
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