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Cristina Moura

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Quase vegana

05/11/2020 às 16h17 • atualizado em 05/11/2020 às 16h19

Foto: (Ilustrativa)

Por Cristina Moura

Passei apenas seis meses seguidos sem comer carne. Quando falo a respeito de carne, é claro, falo de fragmentos de bichos, principalmente dos conhecidos boi, frango, porco e peixe. Essa minha saga ocorreu com um propósito: facilitar algumas posturas de ioga. E funcionou. O corpo, ao ficar mais leve, desenvolveu os movimentos com mais rapidez ou mais eficiência. Mas, o tempo de dedicação foi curto. Perdi a batalha, por enquanto.

Não fui mais adiante porque me rendi a um ensopado saboroso de rabada com agrião. Gente, não resisti mesmo àqueles pedaços de cartilagem, com aquele caldo cheirando a pimenta, cebola, alho, coentro ou salsa. Aquilo, colorido e brilhante, que uma vez serviu para compor o final de um esqueleto, de pronto me servia, em porções generosas. Parecia sussurrar assim: eu avisei.

Sim, continuei com a prática da ioga, que não foi mais a mesma. Passei a intercalar dias sem carne, comendo ovo ou queijo. Palmito também, como nobre opção. Mas, num breve período, fui vencida. Logo se vê que não posso dizer que sou tão evoluída no campo espiritual. Há o pecado da gula que me cerca, dias e noites. Luto contra ele, como numa partida de boxe. Caso eu esteja de frente a um bife acebolado, é nocaute: com certeza.

Dizem que há tipos de pessoas que não comem carne. Que comem somente peixe. Ora, pois. Somente peixe. Eu mesma já me empanturrei com moquecas, as mais variadas, com aquele pirão acompanhando as postas. Dependendo do bicho aquático, é carne sim, da boa, e com gordura, por baixo do couro. Percebi, depois de muitas investidas de boca cheia, que meu estômago não reage bem a esses encourados. Não significa dizer que eu esteja livre.

Outros seres da água, mesmo não muito convidativos ao meu paladar, também estão aptos ao meu octógono, à luta clássica dentro de mim. Não sei se me pegam no primeiro ataque. Aquela pergunta aparece, com ares literários: pensar ou não pensar; comer ou não comer; ser ou não ser. Mas ninguém faça cerimônia se quiser me apresentar uma panela com camarão, polvo, sururu, caranguejo ou siri. Devoro tudo, em rocambolescos minutos.

Com a gula, há um médio controle, mas que soa como um sino que me atormenta. Quando eu me encontro com a costela bovina com batata, presto minha inteira solidariedade a quem a preparou. Tento ficar somente na batata, mas, realmente, não posso. Ainda me perco nas trilhas. Se possível, vou à cozinha do lugar e dou os parabéns aos responsáveis.

Quando o assunto é ave, não somente frango, pato, galo e galinha me chamam a atenção. Lembro que, algumas vezes, comi arribaçã frita. Outros passarinhos, coitados, já caíram na minha teia. Admito que nem lembro de quem cometeu o crime da matança, e se o ato foi com baladeira ou arapuca. Quero nem saber.

E quando o tema é suíno, olha, até tento me segurar, mas um churrasco de linguiça é de salivar. Aquelas bolinhas gordurentas me inspiram, mas parece que me vigiam, dizendo: Cristina, você não é mais criança. Vá devagar. Aliás, toda carne que enfrenta a brasa guarda uma riqueza diferente. O cheiro convida.

Outra produção que nasceu dos porcos: a calabresa. Na pizza, é de arrepiar. Pode ser no pão. Pode ser no cuscuz. Pode ser no arroz. Pode ser com bolacha. Difícil é me segurar ou adotar a consciência de analisar os riscos sobre uma vida que foi tirada. Quando a mente vem se aproximando dessa ideia, de imediato, crio a expressão em letras gigantes, em neon: cadeia alimentar. Cadeia alimentar. Cadeia alimentar. Nem ouço mugido, berro, piado, grunhido, cacarejo. Penso na minha limitação em não obedecer aos ritos meditativos. Penso no presunto. Penso no paio. Penso na mortadela. Penso no salame.

Outras lascas porquinhas são irresistíveis junto com o feijão. O que seria da feijoada sem essas criaturas, que meus amigos veganos chamam de cadáveres, não sei. Experimentei, entretanto, essa iguaria típica do nosso Brasil, de diversas maneiras: com proteína de soja, champinhom, grão-de-bico. Não colou. Se alguém me convidar, lógico, comerei. Mas o prazer vem mesmo é daquele carré, daquele pé ou daquele bucho. O toucinho é algo que enfeita o momento, coloca um ritmo guloso na dança. Às vezes, vem para estralar mesmo, fazer barulho na cabeça.

Quando penso na família dos saltitantes caprinos, a gula triplica. Que bela festa. Cozido, assado, frito, costurado: bode, cabra, carneiro. Saia da frente, por favor. Nem cabrito escapa. Querido leitor, veja a minha dificuldade em ser vegana ou vegetariana. Peço desculpas pela decepção. Caso queiramos nos remeter aos miúdos, sem problema: fígado, coração, rim, moela. A brincadeira está valendo. A miudeza, o detalhe ou o pormenor sempre serão intensos objetos de estudo. Com louvor.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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