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Gildemar Pontes

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Quem inventou a solidão?

10/03/2020 às 14h49

Coluna de Gildemar Pontes

Estamos vivenciando o isolamento dos indivíduos e a sua gradual entrega à solidão. Mas não se trata de uma solidão de pessoas, de família ou de amigos. Trata-se de uma solidão psíquica. Somos seres fadados ao encontro e todas as formas de coletividade proporcionam uma forma de agregar valores supra-individuais que aproximam pessoas distintas em torno de coisas comuns.

Muitos fatores colaboram para que este “retiro”, em plena coletividade, ou exclusão programada façam parte da alienação do indivíduo e do surgimento de um sentimento egoísta diante do mundo e dos bens que são oferecidos como satisfação do ego, do desejo e da projeção de conquistas. Assim, o carro do ano, as férias em Paris, a casa de praia, passam a ser elementos distintivos entre pessoas e produtores de falsas hierarquias baseadas em valores monetários. É a nossa ruína espiritual e a riqueza ilusória produzida pelo capitalismo de resultado. Não adianta só parasitar os bens, é preciso parasitar as mentes. Surgem destes condicionamentos uma necessidade cada vez maior de se autoafirmar diante dos outros. É como se nos tornássemos autômatos diante dos outros e fôssemos nos comportando como se a máquina pudesse substituir as emoções.

No plano mais estrito, onde perduram as idiossincrasias que nos revelam diante dos outros, estamos aceitando essa lógica do confinamento em troca de vitrines onde podemos expor nossas selfies, nossas esperanças e nosso comportamento devidamente filtrado e oferecido como marca de bondade, virtude e supremacia sobre os demais mesmo sem saber se as temos.

Há inúmeros sites de relacionamentos que promovem os encontros virtuais. Todos querem ser felizes e encontrar a alma gêmea, que anda solta, às vezes, distante milhares quilômetros. E conhecemos pessoas tão cheias de virtudes, que supomos ter encontrado o ente enviado pelos deuses (visto que a diversidade religiosa faz parte das nossas crenças). Mas o mais impressionante nisso tudo é que algumas pessoas realmente acreditam que resolverão seu problema de solidão encontrando uma pessoa numa rede social. E aí surge um problema de saturação de busca e volta-se ao estágio de solidão muito mais forte do que antes. É que são tantos perfis sugerindo a pessoa certa, que o preenchimento do que se procura vai ocorrendo quando se dá likes em dezenas, quiçá, centenas de pessoas e a satisfação do retorno de curtidas ou gosto de muitos pode significar um alento para o ego. E aí, o próximo passo é o encontro. As conversas evoluem do site de relacionamento para o Whatzapp e depois para o Facebook e para o encontro real. Invariavelmente, esses encontros se tornam fortuitos e não se perenizam, porque o problema da solidão pode estar mais naquele que acredita do que naquele que experiencia o encontro.

Esse comportamento de imaturidade atinge a quase todos os que procuram solução nestes aplicativos que substituem o velho amuleto de Santo Antônio, quando se confiava ao santo a oração que iria resolver o problema do caritó, pela solução rápida e variada.

O fato mais preocupante nisso tudo é que muita gente quer apenas esse encontro casual e descompromissado. Não há nada de errado nisto. O erro, ou melhor, o engano de quem quer se resolver pela via de um site de relacionamentos é que a maioria dos que procuram já se desiludiram uma ou mais vezes na vida real. E apostam todas as suas fichas naquele rosto e corpo mascarados pela fotografia, que trazem uma legenda de seriedade, honestidade, fidelidade, carinho e compromisso, coisas que faltaram no dia a dia de quem se perdeu numa relação tumultuada ou de quem, na esperança de encontrar a pessoa certa, habita a solidão e a melancolia de viver pela metade.

Quem inventou a solidão fomos nós, quando nos distanciamos da nossa essência e nos aproximamos da aparência. E a aparência pode ser comprada via cartão de crédito ou no boleto, dando lucro a empresas que vendem esperança e são tão eficientes como as religiões que vendem o paraíso inexistente.

Gildemar Pontes

Gildemar Pontes

Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

Gildemar Pontes

Gildemar Pontes

Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

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