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Edivan Rodrigues

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Reabilitação do padre Cícero (2)

04/01/2010 às 23h11

Por Francisco Cartaxo

Ao abordar o tema da reabilitação do padre Cícero, semana passada, citei a Carta Pastoral de dom Adauto, datada de 6 de setembro de 1894. Naquela época estava em evidência o apregoado milagre da transformação de hóstia em sangue e corpo de Cristo, ao simples contato com a língua da beata Maria de Araújo. Na verdade, dom Adauto apenas repercutiu o que a Congregação do Santo Ofício recomendou em decreto de 4 de abril de 1894. Aquele decreto (transcrito no livro Padre Cícero – Poder, fé e guerra no sertão, de Lira Neto), determina, entre outras coisas, punir Maria de Araújo, vetar a publicação de livros ou opúsculos, e proibir “tratar por palavra ou por escrito dos pretensos milagres”. Além disso, transferiu ao bispo de Fortaleza (ao qual estava jurisdicionado o então povoado de Juazeiro) a tarefa de queimar “os panos ensangüentados e as hóstias de que se falou e todas as outras coisas ou relíquias conservadas”.

A Inquisição não puniu nominalmente o padre Cícero, como fez com a beata. Preferiu delegar ao bispo a atribuição de fixar penas aos sacerdotes que trataram de modo execrável a Santíssima Eucaristia, e seus cúmplices, obrigando-os a exercícios espirituais, proibindo-os de se relacionarem com a beata e privando-os de “toda direção das almas, pelo tempo e maneira que forem determinadas pelo bispo.” No mesmo decreto a Inquisição prescreveu que: “O bispo de Fortaleza e outros do Brasil proíbam por todos os meios a seu alcance o concurso de peregrinos ou as visitas e acessos dos curiosos a Maria de Araújo e às outras mulheres incursas na culpabilidade da mesma causa.”

Portanto, a Pastoral do bispo da Paraíba, dom Adauto, mencionada em artigo anterior, seguiu à risca a recomendação do Santo Ofício, como, aliás, o fizeram outros bispos.

Existem milhares de folhetos de cordel, centenas de estudos a respeito da vida e da atuação de Cícero Romão Batista. Quase todos são passionais. Apaixonadamente contra ou a favor. Poucos abordam o tema com equilíbrio. Talvez, desde a publicação do “Milagre em Joaseiro”, de Ralph Della Cava, nos Estados Unidos (1970) e no Brasil (1977), não se divulgava obra tão importante quanto a de Lira Neto, pelo acesso a fontes primárias, entre as quais, o processo recente de reabilitação, numerosa correspondência entre instituição e autoridades da igreja católica. Isso lhe permitiu avaliar nuanças da questão, tratadas na intimidade da hierarquia católica, ao conhecer fatos e interpretações por dentro e não apenas por dedução, como costumam fazer escritores para suprir carência de informações autênticas.

As diferentes facetas da vida de padre Cícero surgem, entrelaçadas, no texto direto que o autor oferece, fazendo das mais de 500 páginas do livro uma leitura agradável. Mais parece um romance. Um bom romance que não se pode parar de ler. Foram anos de confronto de fatos e opiniões, enfim, uma empreitada talentosa do cearense Lira Neto. Por tudo isso, o livro merece ser esmiuçado, como faço neste breve comentário, atendo à realidade dos fenômenos sociais, políticos, religiosos e econômicos do Nordeste. Obra atualíssima, agora que está em curso o pedido formal de reabilitação de padre Cícero, conduzido com entusiasmo por dom Fernando Panico, bispo do Crato.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

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