Sem maquiagem
Voa bem leve, pensamento, e embarca nessa ciranda sem asa, apenas segurada pelo respiradouro da neblina. E se estiver o Sol brilhando, convido também: o simples embarque garante a limonada. Cada um segurado na mão do outro, cada um puxando outro e outro no salão. Voa. Voa bem leve, pensamento, e voa com quem percebe estas palavras, com quem captou o código secreto da juventude. E o passo é cirandeiro, com as curvas da canção: passo lá, mais adiante, passo cá, mais adiante, um pulo discreto, mais adiante, continua a passada.
Voa, assim, pensamento, e já lhe pedi em tantos textos para voar sem correntes, sem âncoras, sem grilhões de ideias condensadas. Voa. O batuque mostra firme que quer público, gingado, melodia na ponta do nariz, vontade de emendar as cantigas. A caixa bate como quem acorda a vida, acorda o mundo, acorda a verdade, acorda os ideais, acorda Dona Maria que vai fazer o café.
Voa bem leve, pensamento, pois a textura do voo deve ser plissada, como a grande saia da ciranda, e cada costura apresenta um sentido, um desejo, um requisito para se alegrar. Voa bem leve, pensamento, para que a toada não se desencontre com a falta de propósito, para que os olhos identifiquem a flor se abrindo, para que o futuro seja cevado com boas saudades. Vamos bem leves, pensamento, eu e você, com a ciranda cirandinha que tanto queríamos, caso os participantes concordassem, caso o tempo não virasse, caso o churrasco estivesse no ponto, caso o beijo estivesse prescrito, caso o momento estivesse no instante.
Se entre um figurino e outro pudermos chamar mais gente, é para comemoração. Ciranda é comemoração. Ciranda embala, nina, adormece. Ciranda ainda desperta, promove, renasce. Voa. Voa bem fino, pensamento, pois a elegância favorece nossa bandeira, nossa história, nossa luta. Quem está com medo não entra na roda, não faz a coreografia, não entende a piada, não raspa o prato, não se emenda. Voa, pensamento, sem cortes, sem maquiagem, sem ensaio. Vai na força, vai na fita, vai na janela. Voa, ciranda, voa.
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