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Cristina Moura

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Serena de ideias

28/03/2022 às 19h26 • atualizado em 28/03/2022 às 19h32

Coluna de Cristina Moura - Imagem ilustrativa/reprodução-internet

Por Cristina Moura

A tela mista faz nascer a vontade de estabelecer um diálogo ainda mais heterogêneo com quem vai receber a obra. Essa recepção não é somente para quem encomenda o quadro. Qualquer pessoa que estiver, em plena consciência, interpretando o que é exibido, passa a ser uma recepcionista do objeto. A partir do instante em que olha o que está criado, faz uma crítica, mesmo que não publique, mesmo que não conte ao vizinho.

Um dos pontos mais belos dessa viagem é saber que cada leitor interpreta de uma maneira. Algo positivo e natural. Algo único. Cada um analisa a mistura como puder. Chamo de tela mista o resultado de alguns elementos: tinta, tecido, linha, papel, miçanga, fita, botão, plástico e o que puder brotar com a inspiração. Certa vez, uma amiga me falou que não gostava desse tipo de intervenção, que achava pobre, que preferia somente as tintas. Outra vez, um amigo sugeriu que eu não pintasse mais com acrílica, que migrasse para óleo, argumentando que o produto final seria mais elegante.

Gosto de ouvir as críticas. Realizadas com cuidado, com certo carinho, noto um estopim para outros achados experimentais. O que faço com as telas é experimento, um teste prazeroso. Apesar de compreender certas técnicas, é a voz da intuição que chama mais forte. Foi depois de ouvir uma singela crítica, e examiná-la com paciência, que resolvi sair das minitelas. Quando comecei a pintar mais frequentemente, e com envolvimento mercadológico, não saía dos dez, quinze, vinte centímetros. Achava aquilo tão normal. Sugeriram que eu fosse aumentando o tamanho de forma gradativa, para que eu não me impactasse. Deu certo. Descobri, então, que a experimentação é também uma abordagem mental. Acreditei que podia avançar na metragem da criação. Acreditei e fiz. Veio um medinho bobo. Passou.

A concepção mista, contudo, ainda não chegou às telas maiores. É meu novo desafio nesse campo. Vale lembrar, até para mim mesma, urgente, que essa atividade é concomitante aos meus estudos acadêmicos. Os estudos são obrigatórios e obedecem a um prazo; as obras artísticas são livres e passam longe do calendário. Preciso dessas duas forças para manter um equilíbrio. As crônicas ficam na cola das duas vertentes, às vezes com cheiro de obrigação, às vezes mantendo um pacto com o espaço sideral da Literatura. Olho em mim, eu e o mundo, em cada palavra, cada vírgula, cada cor. Sou eu, Cristina. Pergunto. Respondo. Olho de novo.

Quando não consigo produzir muito bem uma coisa ou outra, sim, também sou eu. Poro a poro. Eu, aos pulos ou aos prantos, com uma extensa lista de painéis ainda brutos no cérebro, com pensamentos ainda nebulosos, com um coração manuscrito. É o eu dentro de vários eus. Pareço uma miniatura, eu, mais uma vez, numa enorme pausa, numa hibernação serena de ideias, numa sintonia com a correnteza. Comecei a respeitar esse intervalo, essa distância entre o pensar e o executar. Combinou.

O material da tela mista em tamanho maior, por exemplo, faz tempo que está ali, me olhando. Diz, sorrindo: ei, criatura, precisamos surgir, precisamos de uma expressão, precisamos de uma vida, precisamos ser. É que o trabalho artístico torce para ser. Ser certificado, ser batizado, oferecer um título. Vence o que for mais adaptável. Na conclusão, aparece, então, um nome, um misto desse eu comigo. Não há dúvida. Sou eu, aos recortes, no quadro que se apresenta. Eu, acordada, em cada milímetro.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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