Somos Icebergs
Fazer uma analogia como essa, somos icebergs, talvez soe meio estranho, inadaptado ao lugar onde vivo e onde as pessoas conhecem gelo comumente como um bloco que se acrescenta ao copo para esfriar uma bebida.
Eu quero falar de nós, porém, como uma grande pedra de gelo que desafia o olhar aparente, como a montanha de gelo desafia os grandes barcos de navegação, nas regiões polares, impondo um silêncio abaixo da linha d’água e barrando quem ousa dele se aproximar.
Como poderemos ser tão rasos na aparência e tão profundos nos esconderijos do ser? Somos quase sempre a parte que fica na superfície e temos a imagem que a luz mostra. Mas a parte submersa do ser, que fica além da aparência física, muitas vezes impenetrável, essa, nem nós ao certo conhecemos. Vamo-nos mostrando, apenas o que queremos que vejam ou o que os outros vêem com mais profundidade. Migramos com alma e tudo para as redes sociais.
Abrimos nossa intimidade, nossas idiossincrasias, nossos caracteres mais pessoais para uma resposta em forma de curtida, compartilhamento, comentário. Passamos a depender da opinião alheia, da quantidade de interações com quem muitas vezes nunca vimos. E nos perdemos nessa virtualidade que nos faz cada vez mais dependentes das máquinas de fabricar ilusões. Primeiro foi a televisão, depois o computador, depois a internet como ferramenta de transmissão de tudo em todo lugar. Quando surgiram os celulares com as mesmas funções do computador, passamos a carregá-los como uma espécie de “piercing”, dentro do bolso ou da bolsa. Era o instrumento com o qual iríamos levar a máquina de casa para a rua, para o trabalho, para o estudo, para os encontros sociais. Aos poucos nos tornamos presas, aprisionados pela forma como a vida era facilitada e cabia dentro de um aparelho tão pequeno.
Trocamos o tempo de lazer com outros seres humanos reais pelo tempo em contato com seres humanos virtuais, conectados numa rede espaço-temporal infinita e ilimitada aos nossos padrões comportamentais. Perdemos horas, dias, vida em família e amizades, pela tal sociabilidade virtual. Pior, nos isolamos em mundos cada vez menores, onde a satisfação não é mais física, mas ilusionista de um prazer mental não compartilhado pelo corpo. Estamos endurecendo o tato, banalizando o sentimento e atemorizados pelas imagens da morte, dos desastres, da estupidificação e, contraditoriamente, do nascimento de uma criança, de uma flor, da composição de uma célula. Somos bombardeados pela informação massiva numa velocidade tal que dificilmente percebemos o que se passou num período de dez minutos.
O mais grave desse envolvimento inconsciente no mundo virtual é que estamos nos apartando da parte profunda de nós mesmos. Estamos transferindo nossos dados para outra realidade, desconhecida, manipulada por uma conexão de dados no hiper-espaço cibernético onde somos presas frágeis para o controle de nossas ações. Nossa aparência, como a que fica acima do iceberg, é visível por todos. Nossa essência, porém, está se desprendendo de nós. Há um vazio imenso preenchendo nossos sonhos com o espetáculo das redes sociais.
Em pouco tempo, não precisaremos mais de abraços, beijos, sorrisos. Um chip com as emoções fabricadas em laboratório substituirá a parte humana que ainda há em nós.
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