Travessuras do bispo
Por Francisco Cartaxo
A revelação chegou com cheiro de escândalo, o presidente do Paraguai é pai de um garoto de dois anos. Logo outros possíveis rebentos de Fernando Lugo pintaram na mídia. Pretensas amantes do bispo passaram a exibir frutos de relações carnais. Entre suspiros, uma delas desmanchou-se em elogios às qualidades do macho Fernando, esclarecendo que isso lhe bastava, tanto que nem quis saber de paternidade. Lugo assumiu, de pronto, o guri de dois anos. E os outros? Só com DNA, disse numa coletiva, desconfiado da exploração.
As travessuras de Fernando comportam leituras distintas. Veja comigo o leitor. Dimensão religiosa. Sendo padre, Lugo aceitou o celibato, por isso caiu em pecado. Independente da quebra do voto de castidade, teria cometido infração porque seguiu a máxima “crescer e multiplicar” fora do matrimônio, como manda a Igreja Católica. Mas, nessa matéria, quem ousa atirar a primeira pedra?
Dimensão humana.
Em se tratando do Paraguai, impossível dissociá-la da formação histórica daquele país. Hoje, um dos menores e mais pobres da América do Sul, o Paraguai envolveu-se no passado em guerras terríveis. No século XIX, a Guerra da Trípice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) quase varre do mapa o país de Solano López. Mais perto de nossa época, a Guerra do Chaco (contra a Bolívia, 1935) teve conseqüências igualmente funestas do ponto de vista militar, social, econômico, cultural, religioso. Metade dos homens, incluindo adolescentes imberbes, morreu ou restou com seqüelas, deixando um rastro trágico na sociedade, em particular, nas relações familiares. Mulheres adultas, viúvas ou não, seduziam rapazes de menos de 15 anos, tornando-os precoces pais, reprodutores polígamos, talvez buscando restabelecer, inconscientemente, o equilíbrio demográfico destroçado pelas guerras.
Mesmo não existindo chancela oficial, na prática das relações sexuais no dia-a-dia da sociedade paraguaia, prevaleceu a poligamia de fato durante décadas. Isso se incorporou à cultura local, talvez com peso mais forte em rincões afastados e pobres, como na diocese de San Pedro, dom Fernando foi bispo desde 1994. Esses aspectos históricos, somados às peculiaridades da formação étnica, são verdadeiras atenuantes para os erros cometidos, que em outro contexto seriam inaceitáveis.
Então, Frassales, por esse raciocínio, Fernando Lugo seria absolvido? O leitor que o julgue.
Dimensão política.
Quem não o perdoa, porém, é a oligarquia que mandou no Paraguai, desde sempre, usando o poder da força para abafar as liberdades coletivas e individuais, aí incluídos os 35 anos do ditador Alfredo Stroessner, as prisões cheias de inimigos, quando não exilados e mortos. Só o Partido Colorado governou mais de 60 anos! Até ser alijado por Fernando Lugo, eleito em abril de 2008. Essa gente não se conforma, joga pesado para tirá-lo do governo. Tenta agora transplantar para o campo político os pecados do bispo, visando retornar à presidência do Paraguai às mãos corruptas de velhas lideranças que sempre fizeram do uso descarado dos bens públicos sua fonte de poder.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário