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Mariana Moreira

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Velha, uma p….

13/12/2019 às 08h31

Coluna de Mariana Moreira

Cena corriqueira. Fila de atendimento de banco. A atendente pergunta: “senha para o atendimento preferencial?”.
Passado o susto inicial, começo a elaborar o significado da situação. Ora, já tenho sessenta anos e meus cabelos grisalhos teimam em não embarcar na ditadura da moda dos tingimentos.

A elaboração da situação me leva ao encontro do sociólogo alemão Nobert Elias quando, ao refletir sobre a solidão dos moribundos, fala da situação que a modernidade suspende para aqueles que, pelos padrões da produtividade e da utilidade do lucro, estão à margem pela perda, natural ou provocada, de sua capacidade de gerar riqueza ao sistema.

A evocação a Nobert Elias não traduz, sob quaisquer hipótese ou possibilidade, crítica a conquista que idosos, gestantes, deficientes e outros grupos alcançaram como direito a um atendimento prioritário em espaços públicos e entidades de atendimento coletivo. Foi um avanço significativo na compreensão política da existência, na sociedade, destes grupos que, embora classificados como consumidores, eram negligenciados enquanto cidadãos com direitos que preservassem suas especificidades, lhe instituindo lugares e espaços para o exercício pleno da vida.

A ressalva que cabe e exige problematização é como a instituição desses espaços resulta na naturalização da questão, que passa a ser entendida como inerentes a estas categorias sociais e, assim, imutáveis. Ou seja, sou idosa, vou para a fila prioritária de atendimento no banco, tenho assento exclusivo no ônibus, tenho rampa de acesso a lugares íngremes.

Ora, mas essas práticas, atitudes e equipamentos não deveriam ser comuns a todos? Porque antecipar em quinze, trinta minutos o meu atendimento no banco, enquanto os demais clientes são penalizados com filas quilométricas, longos períodos de espera no atendimento?

Ora, será que a prioridade não é uma estratégia do sistema para retirar de circulação aqueles contingentes com data de vencimento superada?

Ou será que a prioridade não mascara a farsa do atendimento democrático a todos e, então, esses grupos se resignam na sua condição de excluídos privilegiados e preferenciais?

E assim, seguimos moribundos de uma farsa que no veste de cidadãos enquanto nos segrega em asilos e UTI’s, no aguardo de uma morte silenciosa, pranteada socialmente na impessoalidade das centrais de velório.

E, como nos lembra Elias:

“a morte não é terrível, passa-se ao sono e o mundo desaparece, mas o que pode ser terrível na atualidade é a dor dos moribundos, bem como a perda de uma pessoa querida sofrida pelos vivos”.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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