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Mariana Moreira

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Vulneráveis seres!

24/05/2021 às 08h50

Imagem ilustrativa (Coluna de Mariana Moreira).

Por Mariana Moreira

Fim de tarde. A mulher gesticula intensamente ao se dirigir ao seu veículo estacionado em frente a agência bancária. Palavras jorram de sua boca na intensidade de sua raiva. A motivação para tamanha indignação está nas escadarias que dá acesso ao banco. Ali, duas outras mulheres, com roupas gastas e sujas, abrigando entre os braços filhos crianças, estende a mão a caridade no desejo de um “trocado” para saciar barrigas carentes de pão, mas, sobretudo, de humanidade.

A mulher que gesticula esbraveja alegando que aquelas outras mulheres estão usando os filhos como escudo para esconder a preguiça, que fazem da mendicância “modo de vida” e que foram acostumadas a viver de benefícios e programas que somente estimularam a “vagabundagem” no país. E mais, que vai acionar o Conselho Tutelar alegando que as mulheres estão expondo menores, vulneráveis, a condições de risco e insalubridade.

Uma das mulheres eu conheço, ex-presidiária, pobre, moradora de um bairro periférico, sobrevivia de “bicos” e trabalhos improvisados de faxina quando alguém, sensível, não cultor do ranço perverso que estigmatiza e condena ao ostracismo quem comete erros e delitos, lhe permitia acesso a casa. Com a pandemia, e não se configurando como habilitada para acessar os minguados reais de programas de auxílio emergencial, enxerga na mendicância a derradeira brecha para escapar da fome. Não tendo como proteger os filhos, de pais ausentes – que contribuíram apenas com os espermatozoides no processo de gestão das novas vidas -, os leva para a porta do banco onde os mantem em vigilância.

No dia seguinte, as encontro sozinhas, no exercício degradante da mendicância. Nos olhos tristeza e preocupação se somam a fiapos de indignação e desencanto com os humanos. O Conselho Tutelar as proibiu de levar as crianças para a porta do banco. A solidariedade de iguais se manifesta na esperança que ainda nos move. Outra mulher se dispor a cuidar das crianças das demais com a retribuição de partilha das esmolas entre todas. A classificação de preguiçosas, vagabundas, viciadas na ociosidade continua como a mais frequente manifestação dos que, de soslaio, olham as mulheres pedintes na porta do banco. Algumas, além de uma mísera moeda de vinte e cinco centavos, queriam mesmo era um olhar, um cumprimento de bom dia, um gesto de afeto que lhe aquecesse o coração brutalizado pela pobreza.

Ah! Um detalhe que ganha relevância: no vidro do carro da mulher que gesticula, ao lado de um adesivo de Nossa Senhora, outro se projeta em tamanho e cores: “Viva o Mito. Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

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