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Cristina Moura

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Zap Zap 1990

31/01/2020 às 08h30

Coluna de Cristina Moura

Por obra divina, pequenos seres acharam de se reencontrar durante intensivos quatro ou nove, até dez anos. Mesma escola, cidades diferentes, realidades diversas, mas a mesma intenção de retribuir tantos momentos bons. Momentos outros que não foram tão agradáveis, a princípio, mas que nos trouxeram grandes lições para a eternidade. Atualmente, nós nos encontramos no Zap Zap: Carmelita 1990. Emoções todos os dias.

O dia em que Dona Maria Caiçara foi me abordar na entrada da escola ficou marcado. Aprendi mais ainda a respeitar o outro, as diferenças, os limites do ser humano. Aprendi a lidar com o medo. Aprendi a pedir perdão. Aprendi que devemos sempre estudar a História. Mas, calma. Era a vida no ensino fundamental apenas começando.

Quando Dona Fátima Lucena, de forma silenciosa, apreendeu meu questionário e o entregou à coordenação da escola, meu coração palpitou. Que decepção para a grande tia e proprietária da instituição. Chorei o resto do dia. Mãinha já sabia de tudo quando cheguei em casa, mostrando que estamos falando de Escola Nossa Senhora do Carmo. Lugar de aprumar o espinhaço moral dos alunos. O meu estava no lixo. Levei tempo para me refazer diante de mim. Gente precoce merecia castigo.

Foi aí que a arte tomou conta dos meus princípios e comecei a escrever. À tarde, a escola parecia um centro cultural. Era um ritmo bem puxado, mas consegui fazer as atividades do matutino e conciliar com as aulas práticas de tapeçaria. Meu álbum está intacto. Não vendo, não troco nem dou. Sim. Igual àquela égua de Luiz Gonzaga. Dona Marlônia Abreu Pessoa, a quem chamávamos, com carinho, de Tia Marlônia, foi a nossa professora dos bordados. Eu e Melquisedeque, o filho dela, estudávamos na mesma sala. Melque, o codinome.

Nessa disciplina em forma de oficina, fui começando a compreender que eu me via diante de novas possibilidades da narrativa. As minitelas são narrativas. São imagens se abrindo ao leitor, com seus traçados, envolvidos em tramas de linhas e cores. Cores. Eis aqui um item indispensável para a minha criação. Ora, se a própria criação da Natureza nos faz enxergar novas resoluções da luz, temos um prato bem apimentado para outras crônicas. O problema é que, no momento atual, a pimenta está na minha LAP – Lista de Alimentos Proibidos. Para não dizer que não, ontem, no almoço, fiz essa homenagem simbólica e silenciosa ao meu velho Painho. Três gotas de um molho malagueta. Ele gostava de uma pimentinha lascada e, ele mesmo, de produzir o molho, como um gurmê masterchefe. Eita. Saudade.

Entonces, se a pimenta está no meu LAP, Painho não vai se zangar se eu der um tempo dela, para viver melhor nesse plano terrestre. O restaurante onde almocei, ontem, estava tocando samba. Muito alto, às vezes, mas deu para apreciar o genuíno samba dos povos dos morros da Grande Vitória. Um luxo. Um dos sambas inesquecíveis para mim, sempre, é entoado por Beth Carvalho, Coração Feliz: uma excelente oportunidade para dizer que sou de paz. A escola ensinou isso bem direitinho e ai de quem ousasse guerrear.

Aquela escola não seria a mesma sem as mãos majestosas de Dona Margarida, Margô. Que delícia aquele chazinho de qualquer coisa que curasse nossa eventual dor de barriga. Morava perto da sede da Orquestra Santa Cecília. Servia água na hora do recreio: as canequinhas eram de plástico azul. Cuidava da alimentação da amiga Carmé, quando esta ficava horas na escola, ou seja, relativamente longe do aconchego do lar. E Margô sempre com um sorriso aberto, sincero, vibrando com nossas conquistas.

Na ENSC, aprendi a dar mais valor ao estudo. Aprendi a dar mais valor ao sonho. Pois é claro que aquelas monumentais paredes erguidas sobre um alicerce de boas pedras nunca teriam existido se não fosse o sonho. Se não fosse o sonho terno de uma jovem moça religiosa, que queria construir uma escola de qualidade e fincada no caminho de Nossa Senhora, Maria, a mãe de Jesus. Caminho de servir ao próximo. Mais saber para o sertão.

Há detalhes naquele lugar, nos dez anos que por lá fiquei, que jamais seriam pagos com uma simples mensalidade.

São elementos eternizados. São elementos que me sacodem para a vida. São elementos que estão em outra LAP – Lista das Atitudes Proibidas. Uma delas é: não desvalorize seu sonho. Isso eu estou dizendo para mim, mas pode servir pra algum leitor aí, que acha que tudo acabou.

Olha, Taiguara se foi, mas a música eterna dele está aqui, quentinha no meu ouvido. Portanto, amigo e amiga, a arte aproxima o que a gente menos imagina. Touchê. Saudação de fechamento em homenagem a um leitor eremita e secreto. Beijos da coleguinha.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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