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Abraão Vitoriano

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A minha primeira vez

15/08/2015 às 19h19

Entro no táxi. São 12h25. O dia esbanja cores luminosas. O taxista ouve forró eletrônico, fala com um sotaque pesado do sul. Uma cliente exagera no protetor solar. A outra não esboça um só ruído. Jogo dois tic tac’s na boca e me sinto aquela cara de hálito fresco do comercial Close Up Extra Whitening. Apesar do marketing (que fique claro que não recebi remuneração alguma), não sou nada bom em autopropaganda; imagine dar uma palestra sobre leitura e ter que incluir como pauta as minhas publicações. Meu coração dispara, mordo parte do lábio, investigo os cantos das unhas: cutículas, ah, cutículas, vamos conversar, companheiras?

O taxista de boné virado pergunta qual meu destino. Informe-lhe o nome da escola, ele diz que não sabe onde fica. Arquiteto este fato como desculpa para fugir – uma velha atitude diante de todo e qualquer receio; logo ligarei para a minha amiga: – desculpe, mas não foi desta vez, a gente andou a cidade toda e se perdeu. Mas o taxista, competente demais para o meu gosto, segue a pedir orientação. A cada pessoa que aponta um caminho, engulo um tic tac.

Chegamos, finalmente, ao local. Minha amiga me recebe com um caloroso abraço. Limpo o suor da testa, jogo as mãos no bolso para simular tranquilidade. Conheço os espaços da escola, todos muito harmônicos e arejados, por sinal. E, similar a sensação Shakespeare ao assistir a primeira apresentação de Romeu e Juliente, só que com mais calor e suave gastura, adentro o espaço da biblioteca. Aos poucos os estudantes vão chegando, aos poucos minha apreensão vai parindo filhotes de seráquevaidarcerto?.

Pronto. Abertura feita, agora deve ser comigo, né? Concentro meu olhar na projeção de um dos livros da minha infância, “O barquinho amarelo”, e me volto para o público com um suspiro de alegria e deleitamento. Falo quarenta minutos cravados: sobre os livros que me despertaram para o mundo, sobre a “necessidade” destes para apurar o olhar, revigorar a alma; sobre os livros que escrevi. Como um tímido ousado, como se assumia Clarice, converso vida e respondo a alguns questionamentos acerca dos processo de criação. Minhas pernas cruzadas. Jovens leitores. Minha amiga com o “Pétalas raras” na mão. Como explicar este fantástico acontecimento? Certo que minha voz cortou num dado momento, que minha postura na cadeira estava à la Corcunda de Norte Dame, que esqueci de um milhão de coisas. Mas o inefável havia ali acontecido.

No meu regresso, num táxi lotado, escuto “A noite” de Tiê. Num segundo de sutil enlevo, delicadamente coloco minha mão sobre o peito: livros, gente, livros, com eles, sou rima. 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

Contato: [email protected]

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

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