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Mariana Moreira

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Adultas bonecas de pano

15/08/2025 às 19h51

Coluna de Mariana Moreira - à esquerda: imagem produzia por IA e à direita: Kamylinha Santos, da turma do Hytalo Santos - Foto: reprodução/Instagram

Por Mariana Moreira – Andei a feira livre com olhos atentos a procurar a vendedora de bonecas de pano. Em cada barraca ou tenda, em cada bancada ou tabuleiro a esperança de encontrar o balaio e as incontáveis bonecas que representou e alimentou, por tempos, meus sonhos infantis.

Aos sábados ela se instalava em um pequeno banco de madeira e, a sua frente, colocava o balaio de cipó trançado onde, cuidadosamente, dispunha o arsenal de bonecas de tamanhos e modelos variados. Tinha as que movimentavam braços e pernas. Tinha as vestidas com roupas de festa e as de pele negra e seus cabelos de algodão tingido.

Em esporádicos sábados vinha com papai, ou mamãe, para a feira e sempre tinha minha atenção e apelo voltado para o balaio de bonecas. Como desejava levar todo o estoque para povoar minha casa de brinquedo improvisada no quartinho a nós dispensado por papai na casa de Impueiras

Em outros dias de feira faziam as encomendas para papai: “Trazer da feira bonecas de pano do balaio daquela vendedora”. Com sua sabedoria e paternal afeto meu pai, um pequeno agricultor familiar, com uma prole de dez filhos, não tinha, no apertado orçamento, a folga para esses mimos. Mas, para não nos desapontar construía a sábia resposta à ausência das bonecas no saco de algodão que vinha da cidade com uma quarta de café, dois quilos de açúcar, uma barra de “sabão do reino” e alguns “pães da rua”. Para os olhos e expectativas infantis a resposta era sempre: “hoje, a vendedora de bonecas não estava na feira”.

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E como não acreditar na sincera resposta de papai, que tinha somente e apenas como verdadeiro desejo o bem e a felicidade dos filhos.

E, hoje, minha busca pela vendedora de bonecas de pano na feira livre da cidade ganha outras dimensões quando a discussão sobre a “adultização infantil” assume projeções de denuncias de uso indevido das imagens e da presença de crianças e adolescentes em ambientes e em episódios que lhes expõem intimidades em atos libidinosos, corpos simulando práticas sexuais e eróticas. Situações que ganham a dimensão global com a veiculação destas imagens e conteúdos em mídias sociais que, na velocidade da atualidade, em instantes, circula por todo o planeta.

É obvio que a vendedora de bonecas de pano não tem mais espaço nos folguedos e brincadeiras virtuais que as telas de celulares e computadores oferecem cotidianamente. Mas ainda carecemos de termos crianças que, ao invés de unhas postiças e sobrancelhas desenhadas artificialmente, vejam no rosto de uma boneca de pano o sonho de, na feira livre do sábado, encontrar o balaio da vendedora compatível com o orçamento do pai, e imaginar mundos e sonhar futuros onde os corpos e as mentes caminhem por trilhas saudáveis, e, sobretudo, humanas.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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