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Mariana Moreira

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As águas do Velho Chico

19/11/2021 às 19h39

Transposição do Rio São Francisco

Por Mariana Moreira

E as águas do Velho Chico já correm em canais, barragens, riachos do alto sertão paraibano.

Celebradas com ostensiva euforia essas águas estão emoldurando efusivas fotos de pessoas reverenciando o feito, banhando e expurgando uma espera secular, exorcizando sofrimentos e dores de tantas secas e fomes.

A celebração é necessária e oportuna.

Entretanto, ela não pode encerrar o processo, pondo um ponto final no projeto de transposição. As águas chegam, mas inúmeras interrogações pontuam o futuro, acerca de como elas irão agregar importância política, cultural, humana ao entendimento de que é possível conviver com a aridez.

A primeira questão que emerge nos gritos de euforia pela água que umedece os secos leitos dos riachos e rios é em relação a condições de vida do Rio São Francisco e de seus afluentes. Inúmeros estudos e pesquisas de universidades brasileiras revelam a agonia do rio, de sofre com a destruição de suas margens e matas ciliares. Uma destruição patrocinada pelo avanço da atividade econômica, sobretudo a agricultura irrigada e a pecuária, que destroem o meio original para impor a presença de pastagens e monoculturas, sustentadas com elevadíssimas doses de fertilizantes, defensivos e agrotóxicos. E assim, o rio e seus afluentes perecem com a redução de seus níveis de água, pelo esgotamento de suas margens e pelo descuido proposital em lhes restituir a vida que ele tanto promove.

Outra questão que se impõe para ontem é a utilidade e a utilização da água do São Francisco que corre por barragens, canais e rios perenizados. Quais projetos irão ser operacionalizados para assegurar que esta água seja utilizada como ferramenta necessária para a produção de alimentos e geração de dignidade e humanidade para a população. Água que deve ser ferramenta de produção de alimento, fomentando a agricultura familiar e fortalecendo o abastecimento de comida para a região. Uma compreensão que destoa visceralmente dos projetos gigantescos de agricultura irrigada que se dedicam a monocultura, sobretudo, voltada para a exportação, e sustentada com o uso de artifícios que, incrementando a produção, contaminam e matam solo, água, ar.

Por fim, além da euforia de palanques e fotografias das águas correntes em outrora leitos secos, também carecem de clareza e urgência a definição do uso das águas, sobretudo em margens de barragens e rios perenizados, evitando a privatização do recurso em empreendimentos turísticos de hotéis, bares e similares, individualizando o investimento público enquanto a fome e a pobreza se coletivizam em dimensões indignas.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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Professora Universitária e Jornalista

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