Casarão escolar

Por Mariana Moreira – As paredes carcomidas pelo tempo revelam tijolos gastos e fragmentos de pintura. Portas e janelas desgastadas se resumem a amontoados de resíduos que alimentam cupins, destoando de suas tarefas basilares de guardar e proteger o ambiente. Um canto de calçada desmorona e revela os alicerces robustos que resistem ao tempo e ao abandono.
Frestas de luz solar desenham e pontilham o piso de tijolos gastos com pontos de estrelas. Um casal de rolinhas fogo pagou encontra espaço na fresta de uma janela e faz seu ninho onde aguarda os ovos chocarem e dar continuidade a vida no sertão. Touceiras de capim mimoso e pés de jitiranas e rosas seda se espalham pelos outrora terreiros bem cuidados. Algumas plantas invadem os espaços antes ocupados por quartos, salas, corredores como a ouvir, guardar e testemunhar tantos diálogos, prosas, conversas de ontens. Uma gorda lagartixa corre serelepe pelas paredes e esconde-se em uma fresta de caibro onde divide o ambiente com aranhas, grilos e solidões.
Olhando o velho casarão uma suave rajada de vento me transporta para tempos idos e me vejo sentada em uma velha bancada de madeira improvisada em carteira escolar da sala de aula de funciona na sala principal da casa. Mesmo sendo a casa habitada pela família de Seu Ramiro e Dona Ernestina a casa é também escola. Uma prática comum em tempos em que grupos escolares são raros e estão situados, principalmente, em áreas urbanas.
E como são alegres aquelas aulas, mesmo com o rigor da professora que nos cobra disciplina e atenção em lições de português, matemática, história. Aulas embaladas pelos sabores e cheiros que vem da cozinha onde o fogão de lenha crepita um fogo a atiçar a marmita de café ou a farta panela de barro onde ferve o munguzá com feijão e toucinho que, mais tarde, sacia a fome e as prosas de tantos que, cansados da lida diária nas roças de algodão, chegam para o descanso da noite.
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Gritos de meninos me chegam a lembrar o recreio. Pelos terreiros do casarão se improvisa brincadeiras divididas com a partilha de pedaços de bolo de caco e de milho assado. São todos apenas e somente alunos da escola. Todos dividem o mesmo espaço que democratiza brancos e negros, meninos e meninas, filhos de patrões e de moradores.
Todos que dividem também a mesma curiosidade de espreitar pela janela do quarto o Senhor Zé Nicolau, pai de Dona Ernestina, que, moribundo, suspira em cima de uma cama com colchão forrado com palha de bananeira. E no dia de sua morte a aula é suspensa pois a sala neste dia é o espaço do velório.
Um canto de um bem-te-vi me traz ao hoje.
As ruinas do casarão apenas me lembram do inexorável ritmo da vida a trazer ontens de memórias e saudades na definição do presente e do viver.
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