Centenário de Nanza Cartaxo Aderaldo

Por Francisco Frassales Cartaxo – No dia 5 de dezembro, Ana Cartaxo Aderaldo (Nanza) completou 100 anos. Lúcida? Não. Ela foi perdendo a capacidade cognitiva aos poucos. A cada ano sumia o vigor físico e mental. A memória a esgarçar-se no emaranhado de informações que lhe chegavam. Como todos os seres vivos, seu corpo passou a dar sinais de cansaço, incluindo perda paulatina de mobilidade. Até os olhos se fechavam. Assim, fomos encontrá-la, em Fortaleza, na manhã de seu aniversário.
Éramos seis homens e seis mulheres.
O voo final de Constantino Cartaxo, mês passado, nos reduziu a dois. Todos nascidos do casamento, em 1921, do viúvo Cristiano Cartaxo Rolim com a menina Isabel Sales de Brito. Nanza, a quinta dos doze irmãos, que nasceu quando minha mãe mal completara 21 anos, sempre foi a mais forte de todos nós. Veja só, numa época que sequer existia flúor n’água tratada, ela foi ao dentista pela primeira vez quando estava grávida de Melânia, a primogênita!
E Nanza reconheceu você?
Ao acarinhar seu rosto e o cabelo, falar em voz alta o seu e o meu nome, suas pálpebras abriam e fechavam, ela mexia com os olhos e músculos da face. Eu quase senti seu coração pulsar mais rápido. Interagiu, alguém falou baixinho no quarto, seu refúgio.
A festa aconteceu à noite.
A neta Raquel comandou a preparação no espaço próprio de velho prédio, hoje perdido no meio de Torres de Babel, de até mais de 50 andares. Uma disputa entre empresas do mercado imobiliário, assim me falaram. O taxista nos disse que já tem prédio com o carro subindo o elevador até o apartamento do bacana… O tom de voz parecia dizer um dia a casa cai.
É notório o contraste com os que lutam pela sobrevivência.
Isso pode-se enxergar no centro da cidade, tão visível quanto na moderníssima orla alargada pela draga que deslocou bancos de areia. No percurso entre o novo Mercado Central e a Praia do Meireles, o mesmo taxista apontou a beleza da praia com um murmúrio:
– O mar traz, o mar leva.
O outro lado da desigualdade está também no centro da cidade. E ainda na recente urbanização em torno de moderno Shopping Center, cercado de novos conjuntos habitacionais para a classe média em modelo da Moura Dubeux, onde antes prosperaram indústrias incentivadas pela Sudene/BNB. Nas imediações vê-se o mesmo panorama que sempre existiu, disfarçado pelas largas pistas de asfalto.
Bela festa em família.
Na noite centenária, houve missa celebrada ao ar livre, em descontraído ritual, com participação ativa dos cinco filhos, muitos netos e bisnetos, com músicas, cânticos, falas livres para festejar os 100 anos de Nanza, viúva do intelectual Mozart Soriano Aderaldo, que a tudo acompanhou, como bom católico.
Minha irmã Nanza, numa poltrona quase cama, participou como lhe permitiram idade e a saúde. Talvez tenha sentido a alegria provocada pelas recordações de cenas marcantes de sua vida. Cenas narradas por muitos de seus descendentes. Uma veio em forma de crônica, a muito custo lida com emoção contida por Lia, a neta jornalista, a derramar a meiguice da avó, hoje centenária.
Sócio da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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