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Cristina Moura

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Conversa comprida

02/05/2021 às 23h42

Imagem ilustrativa. (Coluna de Cristina Moura).

Por Cristina Moura

Há alguns tipos de conversa: a amigável, a brincalhona, a doutrinadora, a sorrateira, a sedutora. São tantos tipos, que nem cabem aqui nesta crônica de poucas linhas. A mais pegajosa de todas é a comprida. Pega, gruda, nodoa; se demorar mais, absorve. Uma conversa comprida é aquela que não é longa, em espaço e tempo. Para o bom nordestino, esse termo é associado a uma conversa enfadonha, que às vezes até deturpa o fator inicial, isto é, desvia o mote maior da prosa.

Como é isso, vou tentar explicar. É uma conversa até perigosa. Uma conversa que vai colando com outros temas, que sequer estavam planejados pelo falante que iniciou o assunto principal. O receptor, em vez de assimilar o sentido, quer bloquear o que está ouvindo e negar o que está entendendo.

Que conversa comprida: falamos de forma mental, sem querer diminuir o outro. Mas, parece algo tão bruto, que já chegamos à conclusão, antes mesmo da tentativa de finalização. Tenho medo de administrar, eu mesma, com minha voz e meus pensamentos, e vice-versa, uma conversa assim, tão enjoada. Não tenho o direito de chatear o outro com o comprimento das minhas definições.

O bom vendedor é aquele que jamais ousa executar uma conversa comprida. Se fizer qualquer ato parecido, perde a venda, perde o cliente, perde a vez, perde a comissão, perde o prumo. Deixei o feirante conversando de maneira insossa e comprida consigo mesmo. Perdeu a freguesa. Quero o produto, não quero o versículo.

Sacerdotes de religiões diversas, se enxugam o discurso, promovem o verdadeiro contato com suas doutrinas. Caso contrário, o ouvinte se sente culpado, por ser ainda tão imperfeito, coitado; e a tendência será o desligamento progressivo. Médicos entram nessa singela lista do meu mundo literário: se o aconselhamento é técnico demais, portanto comprido, de dar voltas no quarteirão, o paciente triplica a causa emocional da doença; o ouvinte se sente um grão de areia, por não saber o que são aqueles termos científicos.

Políticos eleitos, em suas tribunas: muitos com conversas tão compridas e desnecessárias; muitos com a exibição na ponta da língua. De cambalhota em cambalhota, derrapam e perdem seus fiéis. Fantasmas gargalham com os sanduíches de vaidades dançando nos salões. Professores, mestres da sala de aula, donos do quadro ou da tela: perdem pontos no jogo a cada conversa comprida; o conteúdo salta do décimo andar ou se esconde, como um mamífero subterrâneo.

Quanto mais comprida a conversa, menos atenção do público, seja de qual idade for. A síntese pode ser um truque, um dom, um aliado, uma peripécia, mas um método que precisa acontecer. É outro trabalho. Se sintético ao extremo, não adere à consciência. Vou até concluir por aqui, com medo de alugar o doce olhar do meu leitor. Com medo da minha légua tirana. Com medo da estrada de curvas e penhascos. Com medo de encompridar as coisas.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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