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Mariana Moreira

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Inútil ano bom

30/12/2022 às 17h15

Coluna de Mariana Moreira

Por Mariana Moreira

E me instigam falar quais desejos espero ver realizados no ano vindouro.

E penso que meus desejos caminham na contramão dos padrões convencionais que forjam as mensagens e os votos de ano novo circulantes em múltiplas modalidades e espaços.

Não cultivo nenhuma simpatia por desejos e votos de fortuna, dinheiro no bolso, prosperidade. Coisas que individualizam, dividem, separam o que existe de humano em nós.

Desejo que a todos seja verdadeiro o acesso a dignidade da moradia sem o sobressalto do desmoronamento que arrasta posses, memórias e vidas.

Desejo que a todos seja tradução de vida a roupa limpa que protege o corpo cansado do dia de trabalho. Trabalho que, realizado na parceria homem-natureza, não provoque destruição, contaminação, poluição, extinção de plantas, bichos, rios e homens. Que não seja, pela exploração de muitos por alguns, expressão de dor, morte, silêncio, corpos invisibilizados, vozes silenciadas, criatividades atrofiadas.

Desejo que a todos seja manifestação de verdade o bom dia partilhado na calçada iluminada pelos primeiros raios de dia.

Que a bênção pedida aos pais como evocação de proteção e respeito para mais um dia de existência seja expressão de sensibilidade, afeto, carinho. Não repetição de um ritual mecânico ensaiado como pose de fotografia espalhada na frieza do anonimato de redes e mídias sociais. E quando essa bênção não mais seja materializada na existência de todos, seja doces lembranças a animar sentimentos de carinho por nós mesmos e por semelhantes e caminhantes do planeta partilhado por gentes, bichos, plantas, águas, nuvens, sois.

Desejo que o aroma de café que exala de chaleiras fumegantes em fogões que aquecem e aninham corpos, corações e sonhos seja presença em memórias e manhãs de todos que dividem, sem restrições, o pedaço de pão, farto em todas as mesas, o cuscuz que ontem brotou em espigas de milho cultivadas pelo trabalho de homens e generosidade da natureza, e hoje saciam bocas e estômagos indistintamente. Que a fome seja somente a antecipação de uma refeição, jamais rotina na vida de tantos famélicos de magreza contundente e olhos turvados pela tristeza da ausência de um singelo prato de feijão com arroz.

Meu desejo de ano novo é simples e, talvez por isso, impossível.

Quando os desejos e sonhos ganham a embalagem de mercadorias, acessível a poucos, a vida perde a essência de mero pulsar de órgãos e sentimentos e se converte em vãs manifestações de trivialidade, ausências de gente, precariedade e escassez de pessoas.

E soma apenas fortuna, prosperidade e dinheiro no bolso. E como são parcos esses bolsos!

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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