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Renato Abrantes

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José, O Filósofo

12/04/2008 às 00h00

José era o seu nome. Tinha doze anos e era um menino franzino, fraquinho, talvez por conta da fome que passava. As dificuldades eram enormes, sua família era paupérrima. A mãe, viúva de meia idade, ganhava a vida e alimentava as sete bocas, sua prole, com o suado dinheiro das lavagens de roupa. O dinheiro que recebia só dava para comer, mas isso não era empecilho para a prática da caridade. Em sua casa, abrigava, vez por outra, parentes que vinham do interior, em busca de tratamentos de saúde mais avançados, de oportunidade de emprego, ou mesmo a passeio (quando a vida nos sertões se tornava insuportável, sejam quais fossem as circunstâncias).
Não, essa família não morava no interior, mas numa favela, à beira-mar, numa grande cidade, de um grande país, não muito distante de nós. Um dos mais novos, o nosso José procurava ajudar à mãe no que podia. Era bastante prático e não se encabulava de, após as aulas da manhã (era aplicado e sempre gostou de estudar), ir para os semáforos mais próximos vender balinhas, ou fazer malabarismo com três, quatro, ou cinco laranjas (quando as tinha).

À tardinha, gostava de perambular pela praia, não para cobiçar as coisas bonitas e caras que os meninos de sua idade exibiam: bonés, MP5, celulares, roupas de grife… não! Nada disso. José tinha algo no seu íntimo que superava todas essas quinquilharias modernas.

Mãos nos bolsos furados do calção meio sujo e rasgado, José, andando pela areia fininha da praia, gostava de ver o mar. Apenas isso, olhar para o mar, para a linha do horizonte e… olhar para o mar. Imaginava o que estava por trás, além daquela linha. Aprendera na escola que o mundo era redondo e se questionava permanentemente por que toda aquela água não esborrotava para cá ou para lá; imaginava se do outro lado daquele montão de água também havia meninos como ele, pobres, mas que apenas gostavam de olhar para o mar, tão grande, tão… infinito.

Pés descalços, chutava vez por outra algum montículo de areia, feito pela pegada de alguém que tinha passado por ali há pouco tempo. Olhar para o mar e chutar a areia. Era a sua diversão. E, entre um chute e outro, o montículo de areia se desfazia, e era esparramado à sua frente, numa decomposição de centenas de grãozinhos de areia, à semelhança de uma chuva de estrelas cadentes, não no céu, mas no chão. O espetáculo se tornava sem igual quando ele estava contra o sol, no finzinho da tarde, e os esparsos raios tocavam o solo, produzindo um efeito visual incrível. As areias eram estrelas…

Catava conchinhas, daquelas pequenininhas que todos nós gostamos de catar quando estamos na praia (você não?). Olhar o mar, chutar a areia, catar conchas. Era não apenas a sua diversão, mas também a sua contemplação. Com o tempo, José não se acostumou àquela rotina diária, mas, pelo contrário, a cada dia o mar trazia ventos diferentes para José, a cada dia, novos montículos de areia eram chutados e formas diversas eram moldadas (nunca havia uma igual à outra, na sua imaginação), a cada dia, novas conchas, com detalhes, tamanhos, formas, ondulações e cores diferentes a povoar a curiosidade e o “espanto” de José.

Por que um mar tão grande assim? Por que tanta areia que nunca acaba? Por que tantas conchas?
José tinha algo a mais do que os meninos ricos que, por vezes, até mangavam do seu calção sujo e furado. Os meninos ricos se preocupavam apenas com os seus penduricalhos. José se preocupava com as suas dúvidas. Aos doze anos, enfrentando a pobreza e as dificuldades que a vida e a sociedade lhe impuseram, já era um filósofo. Não se contentava com as pseudo-respostas simplórias que lhe vinham à mente, frente a tantas perguntas, mas sempre estava “espantado”, como o velho Platão, que não perdia o encanto, a estupefação e o medo pelo tudo e pelo todo.

José era filósofo, pois não se cansava de olhar para o mar, de chutar a areia e de catar conchinhas… e de fazer disto um sonho filosófico. E você, caro leitor, ainda se admira com a grandeza do mar da vida, com as areias das praias de nossa existência e com as conchinhas do nosso ser? Ou tudo já virou rotina?

Uma sã filosofia no ensino médio (a que leva ao “espanto” e à contemplação). Quando a teremos?

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

Contato: [email protected]

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

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