Liberte-se de si mesmo
Por Damião Fernandes
Em Platão, há um prisioneiro que não é libertado por nenhuma força externa, mas por um conflito interno entre duas forças que se encontra em sua alma, a força do hábito ou da acomodação e a força do impulso, da curiosidade, que o estimula para fora, para buscar algo além de si mesmo. Como quem busca a possibilidade da abertura de uma Janela, onde possa vislumbrar a partir dela uma nova realidade. A força do hábito possibilita que o homem se sinta confortável a sua situação de ignorância, de “não-entendimento” que arrasta desde a infância, ao passo que a força da curiosidade o torne insatisfeito, frustrado e infeliz.
Quantos educadores, políticos, religiosos, pais, mães, homens e mulheres de todas as raças e idades que se encontram nessa situação letárgica: as gratas satisfações consigo mesmo.
Platão parece inaugurar a idéia de que a educação baseada em costumes ou em tradições, mostra-se muitas vezes barreira para a construção do novo. Quando ideais educacionais ou práticas pedagógicas se fundamentam em costumes habituais e/ou tradições vazias, torna o homem – que é objeto primeiro da educação – em ser nebuloso e alienado, não conhecendo o mundo que o rodeia.
A educação platônica traz em si a proposta de libertar o homem de si mesmo, de seus condicionamentos e grilhões. Essa educação liberta-o de realidades exteriores que o impede de contemplar lucidamente e atingir o mundo inteligível, o mundo do saber. Uma concepção de uma educação onde o processo educacional libertador tem inicio a partir de dentro, da tensão dialética no interior do homem. Como assim nos afirma o pensador Wilson Correa:
“É o sol que ilumina o real, confunde-se com a realidade, e permite à alma em ascese libertadora aquele exercício raciofilosófico que amplia, aprofunda e clareia a visão para a verdadeira aquisição da sabedoria. Sabedoria que não brota do processo transmissão-apreensão, mas do debate anímico que afirma e nega para destruir opiniões falsas e, no lugar delas, perpetrar a verdade das formas perfeitas que habitam desde sempre aquele mundo que ele denominou de mundo das idéias. Essa é a concepção de educação que ficou conhecida como aquela que ocorre de dentro para fora. Sim, se não há o que transmitir, não há docência, não há relação pedagógica. O que há é o autodidatismo racio-anímico-filosófico, por meio do qual cada um se livra das mazelas do próprio corpo, de suas imperfeições, de suas doenças, das ilusões e sombras enganosas do mundo sensível para alcançar, via apreensão de conceitos universais, o verdadeiro saber”
A educação platônica procura provocar no homem uma harmonia estrutural no seu psiquismo e na suas relações enquanto ser social e dinâmico. Em Platão a educação do homem era uma realidade que estava fortemente relacionada com o ideal de pólis. O ideal da educação em Platão não era formar o individuo para si mesmo, mas para a sociedade.
E esta sociedade, que se torna lugar apropriado para o exercício de uma educação integrada, a qual tem por base a busca tanto pela sua felicidade quanto pela de todos os outros indivíduos. Felicidade esta que se caracteriza sobretudo, pela real distinção entre o que de fato torna homem feliz.
Platão vai deixar claro que o homem quando educado, ele consegue estabelecer esta distinção, quando procura pautar-se numa vida virtuosa. E o que é ser virtuoso para Platão se não aquele que procura estabelecer um equilíbrio entre o prazer sensível corporal e a alma inteligível racional. A felicidade se encontra no justo equilíbrio entre estas duas realidades.
Platão estabelece a partir da sua alegoria da caverna, paradigmas de uma nova educação, alicerces para a construção de novas estruturas de pensamento. Onde estas novas estruturas representam também uma nova Paidéia antropológica. Como podemos ver, para Platão, o verdadeiro homem do Estado, o verdadeiro filósofo e poderíamos até mesmo afirmar: que o verdadeiro objetivo da educação em Platão é libertar o homem do seu mundo de sombras, imagens, ignorância, do seu mundo de apenas opiniões, para o mundo inteligível, o racional. Sair do mundo das trevas para o mundo da luz, o mundo da ciência.
Para saber mais
PLATÃO. A República. 6ª ed. Lisboa Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
REALE, Giovanni. Para uma nova interpretação de Platão. São Paulo: Loyola, 1997.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário