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Mariana Moreira

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Lições da morte

04/02/2022 às 16h53

Coluna de Mariana Moreira. (Imagem ilustrativa).

Por Mariana Moreira

Como traduzir sentimentos que se manifestam em nosso íntimo trazendo turbilhões de imagens, lembranças, toques, olhares, cheiros? E quando esses sentimentos ganham a dimensão de um nome, de um olhar, de um timbre de voz, de um trejeito de andar?

As respostas são novas inquietações que emergem quando a materialidade da vida se dissipa em paralisias de mortes que transfiguram corpos, apagam movimentos, imobilizam membros, silenciam bocas, cerram olhos e fincam pesadas estacas de dor e tristeza em nossas vidas.

Sentimentos tantos que afetaram minha vida nos últimos três meses, quando a morte de duas irmãs escancara, entre traumas e dores, a efemeridade da nossa existência. E como é tênue e inconstante a linha divisória entre a vida e a morte?

E como, ao nos apercebermos desses limites, nos espantamos com as trivialidades e egoísmos que, estimulados por um mundo do ter, do parecer, somos conduzidos por caminhos, deveras, tortuosos, onde somamos bens e amesquinhamos afetos, onde superficializamos amores e soterramos o abraço de irmão, o carinho de amigo, o afeto do outro que nos chega somente como o outro, e jamais como uma reprodução de nossos desejos e vontades.

E somos levados a uma amnesia social e política que extrai, de nós, os derradeiros vestígios de humanidade e nos metamorfoseia em figuras sociais com um roteiro elaborado em oficinas da produção em série do existir. Um roteiro que determina, antecipadamente, como seremos. Ou seja, seus itens nos definem como pessoa, como filho, como mãe, como amigo. Seus itens recomendam e, mesmo, prescrevem como determinante, o valor de cada um pela medida de produtos e bens que o mercado estabelece como válidos. O último modelo do automóvel, a roupa de grife, o corte do cabelo, os lugares a serem frequentados, o perfume a ser usado para esconder e dissipar quaisquer vestígios de cheiro humano que possa atualizar a nossa condição de humanidade, ou de humanos seres.

E neste torvelinho do existir com a superficialidade e a artificialidade de ritos, modas, regras, posturas costuradas e tramadas para sermos tão somente pontos de uma gigantesca engrenagem de produção em série de pessoas semelhantes, a morte nos chega como um salutar choque de humanidade, nos acordando para a existência além do que, aparentemente, se desenha como viver. Mesmo com a dor, a tristeza e a saudade dilacerando nosso peito e ameaçando estraçalhar nossa alma a morte continua sendo uma didática experiência a nos ensinar a difícil, porém, prazerosa arte de viver. E como nos ensina o poeta “a morte nunca fala sobre a morte. Ela só fala sobre a vida. E ela sempre nos pergunta: o que você está esperando?” (Rubem Alves).

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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Professora Universitária e Jornalista

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