Marilda Sobreira Rolim
Por Francisco Cartaxo
Não era para ter ido agora, ela que exibia saúde para quem já passara dos 90 anos. Saúde física e boa cabeça, sempre disposta a uma conversa sem papas na língua. Todas as vezes que ia a Cajazeiras, lá estava Marilda, baixinha, no passo miúdo, a carregar seus 50 quilos pelos arredores do canal do sangradouro do Açude Grande, em frente à casa onde morou muito tempo. A mesma de onde expulsara um pretensioso “laranja” que lhe foi propor a compra do sítio Serrote.
Ora, Frassales, o pau-mandado teve a audácia de dizer que pagaria com dinheiro vivo, já pensou?
É você fez o quê?
Só tinha uma atitude: enxotei o safado de minha casa.
Isso ela me contou, depois de falar de outro episódio, mais conhecido, que se deu ali mesmo na Praça do Pirulito. O barulho vindo da lanchonete de Felix foi crescendo, crescendo, até esgotar a paciência de Marilda, que não teve dúvida, arma em punho, meteu bala… para cima e, de imediato, ligou para a polícia. Aos fardados, que logo riscaram em sua casa, ela falou de tiros dados não sabia por quem…, mas que ouvira, ouvira. Marilda era assim, cheia de artimanhas.
A notícia de sua morte me foi transmitida por José Antônio, via telefone no dia 13, quando eu participava de reunião de trabalho na sede da Caixa Econômica, em Brasília. Apesar de seus 94 anos, o falecimento causou surpresa pois pensávamos que Marilda viveria além do centenário, tal o seu vigor aparente e, sobretudo, a lucidez de espírito que ostentava, aliás, de fazer inveja a muitos jovens.
Marilda carregava precioso conhecimento do passado de Cajazeiras. Seu pai, o major Epifânio Sobreira Rolim, foi delegado de polícia na República Velha, quando o coronel Sabino Rolim casava e batizava na política cajazeirense, fazendo eleições a bico de pena, na qualidade de homem de confiança de Epitácio Pessoa. Epifânio Sobreira virou nome da rua onde se situa o famoso casarão, tombado pelo Patrimônio Histórico, palco do lance mais dramático da tentativa de invasão da cidade pelo grupo do cangaceiro Sabino Gomes. Menina ainda, Marilda foi testemunha do episódio e ouvi dela, mais de uma vez, a mesma narrativa que, orgulhoso, meu pai, Cristiano Cartaxo, cansou de me contar, ele que era sobrinho de “tio Sobreira”, o pai de sua prima Marilda.
Soube que professores e estudantes do campus da UFCG gravaram depoimentos de Marilda a respeito de fatos de nossa história. Por mais que as entrevistas sejam enviesadas por toques pessoais, contendo lacunas de memória ou idiossincrasias devem ser sistematizadas e divulgadas. Quem ensina e estuda história, sociologia ou disciplinas afins tem o dever de fazê-lo. Seria mais do que simples homenagem à mulher destemida, corajosa, valente que no fim da vida não quis viver do passado. Ao contrário, enfrentou com inusitada força às adversidades, ao lado da neta Sara e do bisneto João Artur. E ainda reservou energia para a política, a ponto de subir no palanque oposicionista de Léo Abreu, abrir seu voto, lutar por ele, como Cajazeiras testemunhou na campanha de 2008. Mais do que homenagem, publicar seus depoimentos é um estímulo para o resgate de nossa história.
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