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Mariana Moreira

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Nossos fantasmas

15/01/2015 às 22h53

Alguns gestos que revelam práticas e crenças entram em desuso no mesmo ritmo em que a realidade que as produz vai se transformando e sofrendo os efeitos da dinamicidade que marca a vida. Ficam apenas alguns vestígios cuja manifestação, em muitos momentos, soa como reedições de um tempo amarelado, como fantasmas que, extemporâneos, saem das sombras e penumbras e teimam em marcar presença em um contexto onde a luz e a claridade não mais permitem indefinições, visagens.

Assim, nos espanta e causa estranheza o gesto de algumas pessoas que, ao presenciar um redemoinho, rápido fazem o sinal da cruz e desconjuram espíritos maus e uma provável presença do Tinhoso. Herança de um tempo em que as forças da natureza, não totalmente desvencilhadas pela racionalidade do conhecimento, estavam envoltas em mistérios, enigmas, penumbras. Como os redemoinhos, os arrepios repentinos, os cantos agourentos de alguns pássaros, a cor de alguns animais são manifestações de forças estranhas, enigmáticas e, sempre, maléficas. Contra essas situações alguns amuletos, orações, procedimentos que, fechando nosso corpo, nos deixam imunes a atração dos maus presságios.

Embora não tão frequentes, estes comportamentos ainda são bastante usuais. Mesmo com a lógica dos tempos modernos que, com sua luz elétrica iluminou as sombras e penumbras e jogou no terreno da impossibilidade as almas penadas, as botijas com seus tesouros fantásticos, as visagens e malassombros. Todos são suspensos em um tempo em que as histórias de trancoso alimentavam nossa imaginação de criança e as sombras projetadas pela luz fraca e bruxuleante das lamparinas de querosene projetavam em paredes de taipa e de tijolos aparentes imagens representadas pela nossa fértil imaginação. Hoje, a tecnologia substituiu as histórias de visagens pela impessoalidade dos jogos eletrônicos. A informática produz robôs, engenhos mirabolantes, criando possibilidades inúmeras para a inventividade.

O tempo presente, mesmo com sua cara de futuro, teima em reviver práticas ultrapassadas. E, entre gestos e atitudes deslocados e descolados da realidade atual, ainda conservamos o pé de peão rocho na porta principal da casa. E, na falta deste, um pé de comigo ninguém pode. Se funciona, é uma questão de fé, ou de princípio. Se um galho de arruda atrás da orelha afasta maus presságios e maus olhados, é uma questão de crença pessoal. Mas, como acreditar não arranca pedaços, vamos, em nosso cotidiano, repisando velhas práticas e, entre e-mails, ipods, redes sociais, cultivamos nossos velhos e queridos fantasmas e nossas estimadas visagens. Mesmo que o claror das luzes elétricas lhes roube os esconderijos.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

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