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Mariana Moreira

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O medo do Cristo

29/03/2024 às 18h22

Coluna de Mariana Moreira - imagem ilustrativa - reprodução/Pixabay

Por Mariana Moreira – Aos que professam a crença no Cristo imolado em sacrifício e celebrado em vários ritos e eventos durante a Semana Santa, não custa trazer presente a compreensão de que o gesto praticado há mais de dois mil anos não pode ser vivenciado, nos tempos atuais, sem qualquer contextualização com a realidade. O Cristo crucificado revela, durante sua vida pública, práticas, atitudes e ações políticas que dizem o lugar do qual fala, quais interesses e intencionalidades expressa, quais devires e utopias de boas novas anuncia para homens e mulheres.

O Cristo que percorre estradas, lagos, vilarejos não confabula, não partilha e não celebra acordos e banquetes com poderosos e arrogantes. Em sua trajetória vai dividindo lugares e pregações com os marginalizados de seu tempo. São pescadores, leprosos, prostitutas, adúlteras, estrangeiros, retirantes, forasteiros que constroem e instituem o líder, o pastor, o mestre não pelo saber traduzido pela presunção de conhecedor de leis e doutrinas, não pelo poder de armas e estratégias de manipulação e de deformação de informações e de vontades, não pela tirania de poderes delegados por lugares de sangue ou por delegações de colonizador. As parábolas que traduzem suas verdades falam as coisas singelas do cotidiano, ensinam e educam sentidos e mentes pela aceitação espontânea.

Quem é o alvo de sua ação pastoral? A mulher adúltera que, transgredindo as regras estabelecidas por uma sociedade patriarcal, será publicamente apedrejada pelas mesmas mãos que, antes, lhes acariciam. A prostituta condenada à invisibilidade social pelas mesmas mentes e corpos que, antes, deleitam-se em suas carícias e promessas. Os leprosos segregados de qualquer contato social pelo temor da contaminação de suas chagas e feridas, reais e sociais, expostas em hipocrisias e mentiras. Homens e mulheres do povo submersos no jugo do romano dominante que se apropria de suas melhores terras, de suas paisagens mais aprazíveis, de seu trabalho para construir impérios, surrupiar riquezas e desvirtuar crenças, tradições, afetividades.

O Cristo entra em Jerusalém tendo como montaria um jumento, meio de transporte comum e acessível aos pobres e deserdados. Os ricos e soberanos ostentam cavalos pomposos, com raça e linhagem que denunciam posição social e investidura política. O Cristo que partilha a última ceia com os apóstolos alimenta-se de pão e vinho, cardápio comum aos homens simples de seu tempo. Se a realidade de seu tempo revelasse uma dieta de cuscuz e aguardente, esta seria, certamente, a ceia dividida com os irmãos de caminhada.

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O Cristo que divide o cenário de morte com ladrões foi sumariamente condenado. Os poderosos, movidos pela presunção, pela arrogância e pelo medo de enfrentar o novo, negligenciam a sensatez e a tolerância e preferem ouvir a turba antes por eles conformada e doutrinada pelos seus editais e vozes farisaicas arvoradas em senhoras absolutas da verdade, da decência, da lisura, da dignidade.

E, quando o novo, o diferente é silenciado, perseguido, crucificado, as velhas práticas ressurgem como parâmetros para o domínio, o jugo, a tirania, o medo.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

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