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Edivan Rodrigues

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O rosto de Zé Agripino

18/05/2008 às 12h39

Surpreendeu-me a voz carregada de emoção de dona Joaninha, uma senhora de 70 anos, que anda meio desiludida com os rumos da política. Você viu a resposta de Dilma a José Agripino? Não, eu não vira. Só mais tarde reparei na tv o rosto do senador. Cara de Zé em contraste com a alma de Dilma Rousseff. O homem murchou a crista. Logo ele que costuma ver os outros lá em baixo. Quando os enxerga.

Do fundo da memória puxei outro rosto. O ministro José Múcio Monteiro, líder do governo Lula na Câmara dos Deputados. Candidatos a governador de Pernambuco em 1986, enfrentaram-se num debate ele e Miguel Arraes, quando esquerda e direita sobrepunham-se aos rótulos partidários. Era o primeiro debate televisivo e havia profundos temores entre arraesistas. Zé Múcio, então jovem, bonito, bem falante, acostumado aos truques da televisão, otimista, aguardava o velho com voz e jeito de matuto, olhar de soslaio, o pigarro de sempre. Alardeavam os da situação que o debate mudaria o curso da campanha em favor do governo. Isto é, dos que depuseram e prenderam Arraes no dia 1º de abril de 1964.

Noite do debate. Recife diante dos aparelhos de tv, as ruas silenciosas em lua-de-mel com a democracia renascida. Arraes em símbolo de velho, o jovem Zé Múcio vendendo-se como o novo. Lá para as tantas, Arraes, entre um pigarro e outro, pergunta:
— O que fazia vossa excelência nos anos da ditadura?
— Estudei, fiz o curso de engenharia, conheci outras terras, ocupei cargos públicos, enfim, me preparei para governar Pernambuco.
— Enquanto vossa excelência, alheio ao que se passava em redor, a juventude lutava pelos meios de que dispunha, até em prisões sob tortura, para reconquistar a liberdade.

O rosto de José Múcio transfigurou-se. Tal qual o de Zé Agripino Maia. Há 22 anos, o slogan “o velho é novo e novo é o velho” correu mundo até alcançar o “aqui só dá Arraes”. José Múcio proclamou, anos depois, que o fato mais significativo de sua vida política foi a honra de ter Arraes como adversário.

Dilma Rousseff recordou: “Eu tinha 19 anos, fiquei três na cadeia e fui barbaramente torturada. Me orgulho de ter mentido, porque salvei companheiros da tortura e da morte”, e, delicadamente, jogou na cara de Agripino que “nós estávamos em momentos diversos de nossas vidas políticas, senador”. O rosto de Zé arreou até o umbigo, de onde saia um cordão denunciante: DEM, PFL, PDS, ARENA. A verdade de Dilma igualou-se à de Arraes. Bem de raiz. Por isso, emocionou Joaninha, uma dona de casa igual a milhões de outras.
Cajazeirense residente no Recife.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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