Previsões
Por Cristina Moura
Acordei com uma tremenda vontade de estar com oitenta anos de idade. Certamente, eu já teria sido vacinada contra o vírus perverso mais conhecido do momento. Certamente, eu teria outros quereres. Calma. Ali vem uma avalanche de vaidades que entra na confusão dos pensamentos. Não sei se terei coragem de continuar pintando meu cabelo. Com oitenta, os brancos serão o passaporte da compreensão. Serei Dona Ivânia ou Dona Cristina. Chamada de senhora, para isso e aquilo.
Se me atormento com problemas reumatológicos, não sei como serei aos oitenta. Mas estarei imunizada para alguns sentimentos. Tenho quase certeza de que não farei mais tantas cobranças a mim mesma. Não sei, entretanto, se cobrarei dos outros. Talvez. Talvez eu tenha uma pomposa coragem de dizer o que penso, na cara, na lata, no duro. Serei idosa, estarei perdoada.
Muitos rirão do meu estado de velhice. Muitos entenderão que dei certa contribuição à vida, ao planeta, aos laços sanguíneos eternizados. Muitos nem saberão que escrevo. Mesmo assim, espero contar com alguns livros publicados. Não sei, porém, se terei tantos leitores. Daqui a quase quarenta anos, um tempo bom para prever, talvez eu tenha mais fé, mais perseverança, mais constância. Talvez, com mais estrada, a crença venha de forma tranquila.
Muito provável que eu não possa comer, com tanto apreço, um prato cheio de brigadeiro. Que dureza. Será uma porção de açúcar talvez combatida pelo organismo. Para me conformar, os três turnos serão preenchidos com tintas e pincéis. Para as colagens, terei uma dose a mais de controle e paciência.
Quero estar com disposição para ainda conhecer muitos lugares. Saúde. Quero estar plena para bater perna nos cinco cantos de Cajazeiras. Mas estarei blindada para olhares venenosos: serei a velhinha jornalista e escritora. Talvez a professora aposentada, com muitas histórias na cabeça e conhecimento para compartilhar. Não é certo que eu me lembre, com detalhes, de tudo o que estudei. Com oitenta, imagino, as gavetas da memória demoram a abrir.
Se eu estivesse com essa idade agora, agorinha, estaria pensando no que fiz, no que pude fazer, no que não consegui. Com oitenta, não sei se serei viúva ou se ainda estarei namorando. Terei aquele escudo para dizeres pervertidos, do mesmo jeito que sonharei com aquelas tiras gordurosas de churrasco. Terei uma espada invisível, que combaterá falsos profetas e candidatos, do mesmo modo que estarei indignada com rugas ou varizes. Se minha respiração fluir como o céu amanhecido, continuarei meditando. As posturas de ioga, sem dúvida, serão as mais fáceis.
Como é bom fazer previsões, assim, de graça. Afinal, não são esquemas prontos e traçados com uma matemática perfeita: são apenas previsões. Prevejo o que sinto, o que minha imaginação ordena, o que meu olhar abraça. Uma coisa é certa: continuarei gostando de música. Não sei se terei pique para tocar violão, bongô, pandeiro ou triângulo. Posso até dançar, mas nada que exija muitas piruetas. Vixe. Agora eu me assustei. Andar a cavalo, então: nem pensar.
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