Reinventando a tradição

Por Mariana Moreira – Nos dias que antecedem a Semana Santa eles começam a surgir pelas ruas da cidade, se concentrando, sobretudo, nos semáforos, praças e calçadas onde se registram maior concentração de pessoas. Rostos e corpos escondidos atrás de máscaras e trajes improvisados com palhas secas de bananeira e outros apetrechos, como sacos de estopas e plástico. Reeditam a tradição dos “caretas”, ou quais designações recebem pela cultura de cada região.
Pela tradição que, desde criança, aprendi, sobretudo, observando os caretas que passavam na casa do meu avô, eles buscam donativos para montagem da estrutura que, no Sábado de Aleluia, serve para a apresentação do espetáculo da malhação do Judas. Uma referência ao apostolo Judas Iscariotes que traiu a confiança do Mestre e o entregou aos seus perseguidores. Os donativos, sobretudo, alimentos, sabonetes, perfumes, são colocados em um espaço vigiado e dispostos a ousadia daqueles que, com destreza, consigam transpor a vigília dos guardas e deles se apropriarem.
O ápice do espetáculo é a malhação do Judas. Um boneco improvisado com os materiais disponíveis é suspenso em uma estrutura que se assemelhe a uma arvore, onde a tradição bíblica diz ter o apóstolo traidor se enforcado após trocar o mestre por trinta moedas de prata. Com chicotes em punho muitos dos presentes fazem a malhação. Ou seja, os açoites e chicotadas que vingam o Cristo Crucificado são dirigidas ao boneco e, ao mesmo tempo, os bravos também buscam se apropriar dos donativos.
Mas, tradições não são peças engessadas e expostas em vitrines inacessíveis. São práticas culturais que se repetem e vão incorporando e se atualizando com os dados, fatos, equipamentos e práticas da atualidade. Assim, as improvisadas máscaras feitas com caixas de papelão são substituídas por peças compradas em lojas. Muitas vezes, a indumentária de palhas de bananeiras dá lugar a túnicas improvisadas com sacos plásticos. O sentido da Malhação do Judas como uma expiação pela traição ao Cristo não encontra eco nas justificativas e explicações apresentadas pelos caretas que nos cercam nos semáforos da cidade. Inclusive, denúncias circulam de que alguns estão usando armas, sobretudo, facas e punhais, para amedrontar e pressionar os transeuntes a lhe cederem os donativos pedidos. Donativos que são traduzidos e aceitos apenas e somente na modalidade dinheiro.
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E, ao parar meu carro no semáforo sou abordada por alguns caretas e lhes pergunto quando e onde será a Malhação do Judas? Com voz de surpresa, eles respondem:
– o que é isso?
– Queremos apenas dinheiro para beber umas pingas lá na Asa?
A Asa é uma designação que a tradição popular criou para nomear vários bairros situados na parte sul da cidade de Cajazeiras. Bairros de pessoas pobres e onde, com certeza, diariamente, muitos são malhados pela fome, pela doença, pelo abandono, pela violência.
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