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Cristina Moura

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Um alazão real

21/08/2020 às 10h23

Coluna de Cristina Moura

Minha primeira experiência com cavalgada foi ainda criança, por volta dos sete anos de idade. Lembro que o evento era político, uma reunião de gente e bicho para que tudo se aglomerasse, logo mais à noite, na rua dos comícios, a João de Sousa Maciel. Para matar a minha vontade de, finalmente, montar num cavalo, meu primo Anderson cedeu a garupa de um animal lindo, cor de melado. Isso mesmo: melado de cana-de-açúcar. Minha vontade foi superada em poucos metros. Não chegaram a vinte. Achei desconfortável e perigoso. Além disso, era gente demais nas redondezas. Meu medo era a velocidade.

Minha amiga Elaine Abreu era habituada com os cavalos. Tentava me encorajar: bora, é muito fácil. Os parentes dela, pros lados do sítio Boa Vista, entendem do tema. Mas, naquele dia, o lugar e o momento não eram apropriados para as primeiras aulas. O tempo estava borbulhante de calor, muita zoada, carro de som, batucada, menino chorando, caboclo aperreando. Isso era bem no início da Avenida Francisco Matias Rolim, próximo ao Cajashow.

Bem antes dessa aventura, eu, ainda mais meninota, gostava de passear em Mata Grande, distrito de Conceição, Vale do Piancó. Muito amigas da nossa família materna, as irmãs Dió, Brandina e Maria me tratavam como uma princesa. Olha: esta é a sobrinha de Dona Ivanilda Lima. Bom, um título já garantido e merecido no pedaço. Que alegria. Via o horizonte recortado pela geografia do vale: à noite, aquela frieza que pede um milho assado. Eu corria e muito por entre aquelas goiabeiras do terreiro. Observava o máximo a paisagem, a temperatura, os cheiros. A inexperiente repórter memorizava os detalhes ou os mistérios para contar às amigas e vizinhas.

Nessa mesma época, o filho de Maria era seminarista. Depois se tornou Padre Humberto. Lembranças boas daquele povo. Vamos lá. A matriarca quer me ver: Bença, Dona Nanô. Ervas sagradas: vamos fazer um chá de erva-cidreira. Pássaros: vamos dizer o que está cantando. Galinheiro: vamos escolher uma bem gorda. Sapos: vamos eliminar os mosquitos. Numa dessas idas, geralmente nas férias, pedi a Brandina para selar um cavalo, para eu passear na vila. Ela riu que gargalhou. No edifício bem alto da minha ousadia, eu queria que aparecesse ali um alazão bem-comportado, digno da Família Real Portuguesa. Coisas que eu andava lendo e vendo em filmes.

Brandina, no vigor da sua sinceridade e, com muito traquejo, disse para eu não me preocupar, que arrumaria, com um amigo vizinho, um cavalo de primeira. Cheguei no terraço, vi o bichinho: um obediente asno cinza escuro. Um pano foi a sela. Desfilei feliz da vida, uma pequena amazona, quase dona de um mamífero sendo puxado por um cordão, como uma coleira, pela amiga querida. Estava ali, eu, no meu mundinho de imperatriz, a bordo do meu querido pônei.  Esse assunto serviu anos e anos para arrancar risos nos encontros familiares. Para mim sempre foi uma glória.

Mais tarde, eu com uns dezessete anos, fui visitar minha família paterna no Alto Belo Horizonte. De repente, uma tropa estacionou no canteiro, em frente à casa de Vovó. Fui logo saber do ocorrido. Tio Quirino me convidou para o percurso e logo ensinou as primeiras letras: não puxe rápido a corda, bata devagar os pés na barriga do animal, não tenha medo. Pronto. O tio partiu com seu belo Sanhaçu, um marrom imponente. Entre os cinco ou seis participantes, estava eu na burra Serena, uma castanha tranquila e boa de conversa. A missão dos tropeiros era olhar um gado no sítio Rabeco. Não fui até lá, claro. Muita estrada para uma iniciante no assunto. Consegui ficar firme até as imediações do Conjunto do Ipep. Fui pré-aprovada no teste.

Anos depois, Tio Alonso passou a ser meu instrutor oficial, mesmo ele já tendo sofrido muitos tombos. Essa parte do currículo era avisada e reavisada na minha casa. Tudo bem. Certa vez, cumpri o combinado de sairmos, eu e meu primo Petrúcio, às quatro da manhã, para cavalgar do Alto até o sítio Papa Mel. Que dia maravilhoso. No caminho, encontrávamos outros e outros tantos, felizes com seus cavalos e éguas, burros e burras, carroças e boiadas, parecendo tudo ali uma porção do paraíso. O céu claro e limpo, uma oração, nas primeiras horas do dia. Aquele odor invencível da roça, a terra misturada com esterco, a fumaça, a poeira, o juá pelo chão. Um pombo do mato ali, um camaleão acolá. Na volta, perto das onze horas, senti na pele o aprendizado. Talvez uns quarenta graus.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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