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Mariana Moreira

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Uma vida centenária

19/01/2024 às 18h28

Coluna de Mariana Moreira

Por Mariana Moreira – Quais vidas encerram uma vida centenária?

Quais sonhos erguidos e quais planos refeitos e desfeitos nessa trajetória de cem anos e histórias construída em passos e veredas de Cochos e Cajazeiras?

Nasce menina entre tantas meninas que, na infância, entre sertões, secas e enxurradas, partilha o cotidiano de bonecas de pano, afazeres domésticos e pequenos trabalhos agrícolas. Aprende a ler e escrever numa teimosia destoante da realidade comum de tantos analfabetos desprovidos de escolas e letras.

Um aprendizado que credencia a função de professora e catequista, ensinando letras e cálculos, mas também regras e normas de um viver cristão.

Também na teimosia de viver aprende a arte do corte e costura. Entre riscados, traçados, pontos e linhas vai alinhavando vidas e histórias. A velha máquina de costura manual embala muitas noites, tardes e madrugadas com seu som ritmado no movimento constante da mão que movimenta a roda e faz girar e montar peças de vestuário. Vestuário de tantos que a procura como a única possibilidade de se fazer notar na festa da padroeira, nas bodas de amigos que movimentam a ribeira, na celebração da vida que insiste em se fazer presente, mesmo nas agruras de um cotidiano de secas e incertezas.

Conhece o amor. Não o amor idílico narrado em romances e cordéis. Mas o amor ensinado e aprendido nas lições do catecismo e das escrituras cristãs, e traduzido na expressão do “crescei e multipliqueis”. Um amor personificado em Waldomiro, com quem se casa e constitui família. Dividindo o dia entre as tarefas domésticas, o cuidado dos dez filhos, as encomendas de costura e as atividades sociais e familiares. Sempre está disponível para uma conversa com alguém que a procura em busca de orientação e apoio. Sempre está livre para participar dos batizados, casamentos, aniversários, velórios, renovações, tecendo e costurando amizades, afetos e alegrias, somando e cultivando os ingredientes importantes e necessários ao viver em comum, em comunidade.

Tantas vezes, além das atribuições de mãe, dona de casa e costureira, está no roçado, cuidando de animais, cultivando hortas e plantas medicinais. Plantas necessárias ao chá, ao lambedor, ao emplasto que curam os males do corpo, sobretudo em tempos de medicina escassa, e aliviam as dores da alma, pelo zelo e cuidado dedicado.

São tantas vidas em uma vida centenária que não se encerram nos cabelos brancos, na fala arrastada e cansada, nas mãos trêmulas, no andar substituído pela cadeira de rodas. São vidas que se manifestam na alegria de todos os que, num gesto de carinho e respeito a vida, celebram, no último dia treze de janeiro, os cem anos de vida de Dona Anita. De olhos atentos, de gestos lentos, mas pujantes, ela acompanha a celebração religiosa, aplaude os parabéns e estende um olhar de sonhos aos que, jovens, reverenciam a vida.

Para Dona Anita, que celebrou seu centenário de vida em treze de janeiro de dois mil e vinte quatro.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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