Voto de cabresto e a dignidade humana
“Acordem, eleitores paraibanos! Digam em alto e bom som, nas ruas, nas calçadas, na praça, nas escolas, nas igrejas, na roça, no trabalho, onde quer estejam: não venham os políticos e cabos eleitorais, com jeitão de coronéis, obrigar-nos a votar nos seus candidatos com tom de ameaças.Voto de cabresto é coisa do passado! Afinal, não somos boiada. O voto é livre e secreto. A política coronelista deve ser repudiada. Nada de curral eleitoral.
Todo eleitor tem a sua dignidade, sua liberdade e sua cidadania.Nem prefeito, nem vereador, seja quem for, é dono de ninguém. Quem manda no voto é o próprio eleitor”(Cartilha formando consciência política: acordem, eleitores paraibanos!).
Infelizmente, ainda funciona, de forma “modernizada” ou camuflada, em muitos lugares do nosso estado paraibano, a cultura miserável do voto de cabresto, ou seja, o famigerado curral eleitoral. Uma realidade daninha, que agride a dignidade humana na pessoa do (a) eleitor (a). Uma praga tão enraizada na mente e no coração de todos aqueles que buscam a todo o custo o poder pelo o poder, que só será extirpada à custa de um trabalho serio de politização, envolvendo diversos segmentos representativos da sociedade.
Quem são os beneficiários dessa maldita cultura? São todos aqueles que não têm compromisso com a população, que não têm projeto político voltado para o coletivo, de modo particular, para a camada mais pobre. Quando estão no exercício do mandato, sua preocupação não é buscar soluções para os graves problemas sociais que atingem a maioria do povo, como desemprego, violência, falta de moradia, precariedade no sistema de saúde e educação, fome, miséria, sede, exclusão social. Sua política gira em torno do seu eu, de sua família, do seu grupo.
Que os pobres se virem com seus eternos sofrimentos do dia a dia. Esses profissionais da política visam um único projeto: chegar ao poder, e dele desfrutar os privilégios que lhe são inerentes. Não foi à toa que no passado recente, muitos lutaram, brigaram e gastaram soma vultosa de dinheiro para perpetuarem-se poder. Para isso, bastava ter poder econômico e político. Hoje, não é diferente! Há muitos habilidosos que desejam a todo o custo estar permanentemente no poder, usando o mesmo artifício: encabrestando o povo.
Em certas cidades, as lideranças políticas manipulam a consciência do (a) eleitor (a), fazendo verdadeiro terrorismo psicológico: Assim diz o prefeito, o vereador: quem não votar no meu candidato vai ser demitido do seu emprego ou transferido para trabalhar em lugar distante da cidade. Também: aquele que não votar onde eu mandar, não me procure mais, quem quiser receber assistência tem que seguir minhas orientações. Ai do eleitor ou eleitora que não votar nos candidatos desses “coronéis”, pois, depois da eleição, ”o cancão vai piar”, para infelicidade desses pobres cidadãos.
E o pior de tudo isso, é que esses espertos, que vivem da politicalha, fazem questão de manter o povão na eterna dependência. Quanto mais dependente, melhor. Ora, faz parte do jogo da política interesseira, manter o povo na dependência e na alienação política. Quanto mais alienado, melhor. Afinal, povo alienado é tratado como boiada ou massa de manobra. Quanto mais “amansado”, melhor para encabrestá-lo. E isso sempre foi assim neste País, nesta Paraíba. E por quê? Porque uma gente assim, não questiona, não cobra, não reivindica, não tem consciência de sua própria cidadania.
Quando sua comunidade recebe algum beneficio, diz: que prefeito bom, que deputado maravilhoso, trouxe isso para nós. Ele é chamado então de homem muito caridoso. Caiu do céu! O eleitor assim, não vê como uma obrigação do seu representante, e sim, como uma caridade, um favor. Afinal, Por que educação nunca foi prioridade neste País, nesta Paraíba? Todos sabem o motivo: manter o povão ignorante.
Nestas eleições, muitos representantes políticos, com seus famosos cabos eleitorais, vão fazer do seu reduto um verdadeiro curral eleitoral. Quem manda naquele território são eles. Eles são os donos dos votos. E o povo mais uma vez vai ser tratado feito boiada, ou como animal encabrestado. E não resta dúvida, são os pobres os mais vulneráveis, as maiores vítimas dessa política de encabrestamento. E volto a repetir: quanto mais dependência e alienação política, como também religiosa, melhor.
Não nos esqueçamos que por trás de tudo isso, rola muito dinheiro e interesse pessoais. Aí entra a política do toma lá dá cá, ou, também: é “dando-se que se recebe”. E o pobre do eleitor torna-se, inconscientemente, objeto de negociação.
E a dignidade humana, onde fica? Onde está o respeito à consciência e a liberdade do (a) eleitor (a)? Será que o ser humano pode ser objeto de manipulação? Será que esses ditos “coronéis”, muitos deles se dizem cristãos, não estão na contra mão da ética e da moral cristã? Ora, encabrestar a liberdade de quem quer que seja é, i ndubitavelmente, uma ofensa grave a Deus, pois, cada ser humano é sua imagem e semelhança, logo é pecado encabrestar seus filhos amados pelos quais Jesus deu sua vida: “eu vim para que todos tenham vida”. São Tiago diz claramente: “para a liberdade é que cristo nos libertou (Gál 5,1). E os Bispos, no documento de Puebla, dizem que “toda violação da dignidade humana é injuria ao próprio Deus, cuja imagem é o homem” (306).
O papa João Paulo ll, assim expressou: “Deus nos mostrou de modo insuperável como ama cada homem, e com isso lhe confere uma dignidade infinita (Doc de Aparecida, 388). Baseado nesses pressupostos, podemos afirmar sem medo de errar, que fazer do povo boiada é pecado, e quem assim o faz, deve pedir perdão a Deus, o autor da vida.
Em nome da fé cristã, que defende a todo custo a dignidade da pessoa humana, faz-se necessário um trabalho de politização voltado para esses filhos humildes de Deus, a fim de libertá-los dessa situação de ignorância política, conseqüentemente, do famigerado curral eleitoral. Libertados e providos de consciência crítica, votarão com responsabilidade, maturidade, de forma livre e sem medo. E o melhor: defenderão sua dignidade de pessoa humana, e farão valer sua cidadania lutando pelos seus direitos inalienáveis.
Com essa postura cidadã democrática, a cultura do voto do cabresto haverá de desaparecer, dando lugar à liberdade de escolha, sem coação, constrangimento, pressão. E deixarão de ser tratado como massa de manobra ou boiada. Afinal, o povo só será feliz quando for livre. Pois, liberdade política é sinônimo de escolha sem coação, sem pressão; como também, de conquista, de luta, de independência. Com relação a essa questão, os Bispos da América latina afirmaram: “a liberdade implica sempre aquela capacidade que todos temos em princípio, de dispor de nós mesmos…”(Doc. Puebla, 321).
Tudo isso pode acontecer? Não se trata de utopia? A liberdade ou a dignidade humana vai ser de fato, respeitada? Os eleitores serão livres para votar conforme sua consciência? Vai sim, desde que ,repito,façamos corajosamente esse trabalho de conscientização. É claro que o resultado virá, mas de forma gradual. É preciso um pouco de paciência histórica, pois, a cultura coronelista, que resiste ao tempo, vai sendo extirpada aos poucos.
Para todos aqueles que sem nenhum escrúpulo, usando de sua prepotência, arrogância e poder, encabrestam os cidadãos, numa atitude de agressão à dignidade humana, meditem estas palavras proféticas: “professamos, pois que todo homem e toda mulher,por mais insignificante que pareçam,têm em si a nobreza inviolável que eles próprios e os demais devem respeitar e fazer respeitar, incondicionalmente” (Puebla 317).
Em síntese, quem tem coragem de obrigar o (a) eleitor (a) a votar no seu candidato ou candidata, sob ameaça, pressão, constrangimento, está distante do espírito democrático e, sobretudo, do Evangelho que diz: “amai-vos uns aos outros”. Ora, amar o próximo é tratá-lo com dignidade, é respeitá-lo, é ajudá-lo, é lutar para que o mesmo viva bem e seja feliz. E para o cristão, o amor é o passaporte para a eternidade. Afinal, os políticos, que amam loucamente o poder, também morrem, e vão ser julgados conforme suas atitudes terrenas.
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