Jeans de Tiririca reacende debate sobre "ditadura do terno" no Congresso
Exigência do passeio completo na Câmara já deixou deputados em saia justa
Dida Sampaio/17.08.2011/Agência Estado
Quem trabalha no ambiente corporativo já sabe: para não fazer feio, é bom adotar o chamado “passeio completo” que, em linhas gerais, é o conjunto terno, camisa e gravata, para os homens, e o tailleur ou vestido, para as mulheres. A dica vale para o Congresso também, mas com uma diferença importante: lá, quem foge à regra pode até ser barrado na porta.
Não foi o que aconteceu com o deputado federal e humorista Tiririca (PR-SP), que nos últimos dias decidiu trocar a calça de alfaiataria por uma calça jeans. Como na Câmara a recomendação não é uma regra por escrito, o parlamentar não sofreu nenhuma represália – só chamou a atenção. Mas se isso tivesse ocorrido no Senado, o problema seria muito maior, pois o uso do passeio completo é uma obrigação registrada em papel nesta Casa – onde as mulheres só puderam trocar as saias pelas calças sociais em 1997.
A Mesa Diretora e o departamento responsável pelo cerimonial da Câmara explicaram que as dicas para o guarda-roupa dos parlamentares nunca constaram em regimento interno. Entretanto, algumas normas são vistas como “lei” na Casa, como a obrigatoriedade do uso da gravata e do blazer – sem os quais não é permitido entrar no plenário –, e a proibição das bermudas – o maior “vilão” contra o estilo do Legislativo.
Para a consultora de moda e pesquisadora de comportamento Andreia Mirón, professora da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo, a escolha de Tiririca pelo jeans foi uma “gafe protocolar”, mas que pode aproximá-lo ainda mais de seus 1,3 milhão de eleitores.
– É uma gafe protocolar. Mas o jeans surgiu na década de 70 para ser a peça mais democrática, usada independentemente da classe social e da cultura. E o Tiririca, por ser uma “representação” do povo, o utiliza de uma forma que as pessoas entendem. É uma aproximação que ele cria com as pessoas que o elegeram, […] mesmo que isso não tenha sido arquitetado ou projetado.
Na Câmara, há apenas uma regra no regimento interno que aborda a questão das roupas: a que recomenda que a pessoa esteja “convenientemente trajada” para circular pela Casa (artigo 272). Entretanto, para evitar situações constrangedoras – como a ocasião em que o então deputado Clodovil Hernandes foi barrado pela falta da gravata –, todos os deputados recebem, logo no início da legislatura, algumas orientações (válidas especialmente para o dia da posse) – entre elas, uma que fere o “estilo Tiririca”: não usar jeans, tênis ou sandálias rasteiras.
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O presidente da Câmara pode, no entanto, mudar as regras internas e, se quiser, vetar ou liberar alguns trajes na Casa. Isso ocorreu em 2007, quando foi proibido o uso de chapéus e bombachas em plenário. Na ocasião, a medida desagradou o então deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), habituado a usar o traje típico gaúcho.
“Saias justas” e protestos
Mas as “leis” do guarda-roupa não agradam a todos e já causaram algumas situações chatas em Brasília – onde as temperaturas elevadas são as maiores inimigas dos casacos e paletós.
A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), por exemplo, foi impedida de acompanhar a uma sessão no STF (Supremo Tribunal Federal), em maio deste ano, por ter esquecido o blazer, conforme contou pelo Twitter, na ocasião.
– Tentei acompanhar julgamento da união homoafetiva. Esqueci que aqui no STF a seriedade é também medida pelo uso de blazer.
Na maior Corte do país, as normas são ainda mais duras e valem até para quem só quer acompanhar da plateia a um julgamento. Para se ter uma ideia, as mulheres que frequentavam a Corte só puderam trocar as saias e vestidos pelas calças em 2000, mas a ministra Cármen Lúcia só estreou o visual no plenário 2007 – sete anos após a chegada da então colega Ellen Gracie, primeira representante feminina do Tribunal e adepta dos vestidos e saias.
O descontentamento com as normas do Congresso chegou a tal ponto que, em 2007, o ex-senador Mão Santa (PSC-PI), entrou com um mandado de segurança no STF pedindo a liberação do uso do chapéu na Câmara, sob o argumento de que a proibição era “ato ilegal, arbitrário, discriminatório e preconceituoso”. O processo foi arquivado, mas a consultora Andréia Miron lembra que, independentemente de regimento, não se deve usar acessório em nenhum ambiente fechado.
Embora não faça tanto calor em São Paulo quanto em Brasília, o clima tropical também foi o argumento usado pela ex-vereadora Soninha Francine (PPS) para pedir o fim da “ditadura do terno” na Câmara Municipal.
– O uso do paletó e da gravata tem conotação meramente simbólica, mas, de fato, não se coadunam com o clima tropical e a realidade econômica do Brasil. Entendemos que devam prevalecer e ser incentivados o uso de vestimentas que aliem conforto e preço, e não simples adequação ao padrão estético de nossos colonizadores.
O projeto foi arquivado em 2009 e os vereadores continuam “reféns” dos blazers na capital paulista. Andréia lembra, porém, que é possível escapar do calor optando por peças com tecidos leves, como voais, crepes e musselines, por exemplo. Já o jeans pode até não ferir nenhuma regra, mas não é muito bem visto no ambiente corporativo – dentro ou fora do Legislativo.
Independentemente das regras, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP) não abre mão das sandálias, embora não dispense o terno como “uniforme” oficial. Ele demonstra se sentir à vontade com o jeito que se veste, e disse nem dar bola para os olhares desconfiados.
– Não gosto de sapato. Vivemos num país tropical.
R7
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