Antonio da Bodega

Por Mariana Moreira – Aos da minha geração, sobretudo os que tiveram uma infância rural, a figura do dono da bodega é ingrediente indispensável de vivências e memórias. A bodega, e seu proprietário, compõem um espaço que extravasa a mera dimensão geográfica. Este espaço traz uma significação cultural, política, econômica, de status. A bodega é referência como lugar de encontro, de reunião social, de sociabilidades e, para não se tornar exceção, ponto preferido e obrigatório de pinguços e desocupados sempre à cata de algum incauto para financiar uns goles de pinga ou para interagir com umas troças mais apimentadas.
Normalmente, o dono da bodega também é o dono do único veículo da ribeira. Sempre um jipe que, por sua rusticidade, sobrevive as trilhas esburacadas desses rincões. O jipe e seu dono, portanto, são presença obrigatória nas celebrações e festas de batizado, casamento, aniversário. E também nas circunstâncias menos amenas, como velórios.
A modernidade que transforma trilhas em estradas trafegáveis, que encurta distâncias e reduz os muros entre o rural e o urbano, acaba por metamorfosear as bodegas em supermercados. E também seus donos em pessoas comuns.
Alguns remanescentes sobrevivem como amareladas figuras de costas para o presente.
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Uma destas figuras era Antonio da Bodega. Seu sobrenome poucos conhecem. Afinal, é apenas e tão somente Antonio da Bodega. E isto basta. E como determina a tradição Antonio da Bodega tinha um carro. Não mais um jipe, mas um carrinho mais moderno. De segunda mão, é claro!
A sua bodega, situada às margens da rodovia, servia como referência para orientar estrangeiros e como lugar de encontro do trecho. Nas tardes de sábado e manhãs de domingo, entre tragos de aguardente e baforadas de cigarro manso, muitos atualizavam as novidades da comunidade.
O carro de Antonio da Bodega também, logo cedo, perdeu a configuração de uso exclusivo seu e de sua família. Ele, com uma recorrência que desconhece madrugadas, horas de repouso e sono, intervalos de refeições, era solicitado pra socorrer um doente para o hospital, uma gestante em trabalho de parto para a maternidade, como alguns bebes mais apressados ameaçando nascer no banco do carro e transformar seu motorista em parteiro. Seu carro também era sinal de alegria, alvíssaras, mas também tristezas e saudades para muitos. Ele está sempre sendo solicitado para buscar ou deixar pessoas no Aeroporto de Juazeiro do Norte. Entre alegrias de reencontros e tristezas de partidas Antonio da Bodega era ingrediente necessário de histórias e vidas.
Com a sua morte encerrou-se um ciclo de histórias e configurações culturais e sociais. Sua bodega não mais abriu as portas. Apenas, muitas saudades e os últimos vestígios de um tempo que se esgueira no passado, se transfigurando em ontem.
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