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Edivan Rodrigues

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Eleitor ou devoto?

06/10/2012 às 01h29

A cena se passa em Cajazeiras, numa calçada larga transformada em bar, mesas com garrafas, copos, água de coco, tira-gosto e muito papo sobre eleição. Discute-se em voz alta, aos gritos, com gestos descontrolados na ausência de argumentos convincentes. Ou então a fala vem em cochicho com jeito de revelar segredo da intimidade da campanha do adversário. Não importa que seja verdade ou mentira, fato ou boato inventado na hora. Isso é o de menos. O importante é entrar no moído, na apaixonada discussão, aliás, interrompida a todo instante pela passagem de carros de som, de candidatos a prefeito e vereador. Ou de garotas de vermelho ou de verde.

A cena é movimentada. Chagas Amaro nem senta, tão apressado está em recolher os cacos do antigo PMDB para completar seu quinhão de votos no caminho de volta à Casa de Otacílio Jurema. Do outro lado da rua, lá vai Patrício Nogueira com a cuia na mão a reviver ilusões de outrora ao lado de Bosco Barreto. Desta vez, seu objetivo atual é ofertar a seu novo ídolo, o governador Ricardo Coutinho, minguados sufrágios arrecadados a duras penas. Pouco depois, aproxima-se de mim um jovem com cara de menino. Quer me conhecer pessoalmente para conferir o autor de crônicas que ele costuma ler no Gazeta do Alto Piranhas. Por isso, não tive constrangimento em perguntar seu nome e o que faz na vida. Brilho nos olhos, a resposta soou como uma alvorada:

– Sou Janelson Cartaxo, candidato a vereador pelo PSOL.

E me entregou a arma, o santinho eleitoral, o sorriso confiante no seu slogan de campanha: “Juventude, fé e liberdade”. Fé é o que não falta no pleito de Cajazeiras. Aqui não se raciocina. Aqui se crê. Manifesta-se a convicção nascida da crença do próprio eleitor. Despreza-se a realidade. Ladrão? Que ladrão? Ladrão e o outro… O ex-prefeito Zerinho Rodrigues até justifica seu voto na ausência de alternativas, saudoso, também, dos padrões éticos supostamente existentes no passado. Disse alto e bom som, “voto em fulano por absoluta falta de opção”. Quis dizer, boa opção, bem entendido. Zerinho repetiu sete vezes, a mesma frase. Sete vezes! Juro. Eu contei. O poeta Tantino Cartaxo contestou, ele que não vota no poeta-candidato nem em ninguém, sequer comparece à seção eleitoral, mas faz mais espuma do que onda do mar… E de tanto ouvir aqui e acolá, Tantino arrisca previsões de causar arrepios no historiador/torcedor apaixonado José Antônio Albuquerque.

E assim, na calçada larga da Rua Padre Rolim a cena se desenvolve aos nossos olhos, os ônibus de cidades vizinhas a transitar cheios de estudantes, carros de som, dezenas de motos, candidatos, cabos eleitorais cobertos de adesivos. Em torno de copos, garrafas, coco verde, todos nós estamos envolvidos em discussões acaloradas e cálculos e palpites e prognósticos e revelações acusatórias. Todos nós, menos um. Justo o cidadão sentado à minha direita, calado, a escutar com atenção de cristão apostólico romano ou evangélico. Mudo, absolutamente, mudo. Lá para as tantas, ele se levanta, pega o capacete e a chave da moto, vira-se para mim e fala:

-Em Cajazeiras, doutor Frassales, não tem eleitor, tem é devoto.

E saiu sem saber que traçara numa frase a síntese perfeita da cena política de Cajazeiras. Com devoto em lugar de cidadão-eleitor, resta pedir a Deus que proteja Cajazeiras agora e sempre.
 

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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