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Mariana Moreira

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Entre secas e convivência

26/10/2025 às 17h30

Seca no Nordeste

Por Mariana Moreira – Historicamente, a seca foi o principal enunciado para caracterizar e definir o Nordeste, sobretudo, a região semiárida. Institucionalizada como problema ela emerge em discursos diversos que passam pela imagem da dependência, do subdesenvolvimento, do clientelismo, da dominação. E, sobretudo, como uma determinação da natureza que obriga homens e bichos ao exercício da resignação ou da arribação.

Um campo discursivo onde a seca e a imagem de desolação do sertão aparecem com recorrência é a literatura. José Américo de Almeida, em seu romance A Bagaceira, nos fala da inconstância espacial do sertanejo. Ninguém pergunta ao retirante donde vem nem para onde vai. É um homem que foge do seu destino. Corre do fogo para a lama.

O escritor alagoano Graciliano Ramos, em Vidas Secas, também traduz, através do sentimento do personagem Fabiano, como a imagem do sertão é elaborada como dizibilidade de um não lugar, espaço do abandono, da terra estorricada, da gente magrela e ossuda, do degredo.

Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca.

A mudança de seca e sertão para semiárido e convivência começa a ganhar visibilidade a partir dos anos 1980 do século XX com o surgimento de movimentos sociais e organizações da sociedade civil que ensaiam uma postura diferente nas relações com as organizações governamentais rompendo com o tradicional clientelismo e sugerindo formas diferentes e mais horizontais de atuação das políticas públicas,
sobretudo aquelas orientadas para minimizar dos efeitos das estiagens. Este procedimento destaca que não é suficiente apenas a introdução cosmética de imagens e palavras do semiárido, sendo essencial reescrever e repensar todas as práticas, imagens e discursos sobre a realidade da região a partir de uma interação com o princípio da convivência entendendo que no ambiente do semiárido a vida se tece de forma diferente e ganha contornos particulares devido à multiplicidade dos elementos (físico, político, econômico, social, cultural e ambiental) dispostos nesse espaço.

A ideia da convivência com o semiárido como contraponto ao descaso histórico para com a região baseia-se em evidências que coloca a região como espaço de tematizações pertinentes sobre o ecossistema, suas diversidades e sobre as possibilidades de um desenvolvimento sustentável. Um discurso que pressupõe novas territorialidades, redimensionando o lugar dos sujeitos e das imagens produzidas sobre esses e
sobre o ambiente, cartografando um novo mapa que preserva a essência rizomática e possibilita múltiplas conexões. Assim, a convivência nasce de um debate que se institui a partir da vivência das especificidades, das diversidades e das múltiplas subjetividades experienciadas na (re)elaboração de relações de poder-saber que são tradutoras de outros sertões que, como afirma Guimarães Rosa, são como as palavras que “têm canto e plumagem”.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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