O Rosto do Outro
A contemporaneidade nos permite contemplar uma brutal postura individualista do homem e um anti-humanismo corrosivo na sociedade e nos diferentes e distintos grupos sociais que a compõem. O home atual torna-se um enigma para si mesmo e para o Outro. O valor da individualidade parece que eleva-se muito acima da coletividade. A dor “que é minha” é mais dor que a “dor do Outro”, A Alegria “que é minha” está acima daquela “alegria do Outro”, A religião "que é minha é "mais religião que a religião do Outro" e ainda, a Inspiração "que é minha" é mais "inspiração que a do Outro". Nos atuais dias, o orgulho e a vaidade humana ganham novo nome, adquire novo ‘status. Toda a perceptiva individualista torna sempre o Outro um instrumento-possibilidade, um objeto-meio, onde os "meus desejos" interindividuais serão conquistados sob qualquer preço e a qualquer custo. É na verdade o “tu que suplanta o eu”. É assim, o “cada um por sí e todos por nenhum”.
Há um pensador que com suas ideias, conseguiu revolucionar a estrutura conceitual e comportamental dessa realidade. Emannuel Lévinas, filósofo trás a o conceito ético acerca de uma Alteridade voltada para o Outro como prioridade sobre o “EU”.
Bastante influenciado pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras de Martin Heidegger e Franz Rosenzweig, o pensamento Lévinas parte da idéia de que a Ética, e não a Ontologia é a Filosofia primeira. É no face-a-face humano que se irrompe todo sentido. Diante do rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável pela vida do outro e por consequência pela sua e daí lhe vem à idéia de Infinito.
Não se pode compreender o rosto, ele engloba Outrem, ou seja, não pode ser objetivado, mas transcende toda significação que se queira atribuir-lhe. O “eu” não nega o Outrem, o rosto. O Outrem é transcendente, estranho, seu rosto rompe com o mundo comum que se inscreve em sua natureza e se desenvolve em nossa existência. O Outrem é percebido pela diferença absoluta, instaurada pela linguagem. O rosto é mais que a exposição de algo humano que escapa, ele se revela constantemente.
A linguagem é a relação (e possibilita-a) entre separados; ela é o “próprio poder de quebrar a continuidade do ser” (LEVINAS, Totalidade e Infinito, p.174). A palavra, dirigida a Outrem, tem-no não como tema e sim significação, falar com o outro é falar a ele.
Na relação, o outro é absoluto, ele nunca é reduzido, por isso ele se torna ‘infinito’, cuja ideia mantém sua exterioridade. Desse infinito é que deriva a exterioridade, que é a ruptura e o limite da totalização; a alteridade, a relação com o outro, com o todo outro; e o rosto, propriamente, como revelação do estranho e abertura ética por excelência (PELIZZOLI, Notas para compreender Levinas).
Lévinas instaura com a sua teoria, uma nova forma de pensar e ver o mundo, uma original postura de contemplar o Outro e compreende-lo, ou seja, ao invés do individuo agir frente ao outro, é a descoberta do outro que impõe a postura adequada. Esta conduta rompe com a perspectiva autonomista e individualista para sujeita-la a uma compreensão de coletividade, de sociabilidade. Se por um lado a sociedade vive entranhada numa “ditadura” do indivualismo, do “eumismo”, onde os interesses, desejos íntimos prevalecem sobre os coletivos, por outro lado o homem absorve em si e para si esta cultura que isola e exclui.
A ética de Lévinas estabelece que é na relação face –a face, entre o eu e o outro que se constrói passo a passo a proximidade, onde o sentido primordial e fundamental é a responsabilidade do eu pelo outro, sem nenhuma exigência de reciprocidade.
E aqui mais uma vez nos defrontamos com a urgente necessidade de altercar a realidade humano-social na qual estamos inseridos. Como podemos impregnar as relações humanas dessa compreensão ética proposto por Lévinas? A proposta da Alteridade? Que meios ou mecanismos utilizaremos para estabelecê-la? Simplesmente procurando ver o rosto do Outro como rosto digno por sí mesmo de ser visto e cuidado. Sentir a exigencia do cuidar da vida do outro, quando necessariamente o olhamos e muito mais que isso, o vemos como “Outro” e nunca como extensão de mim mesmo, da minha ganancia por auto referência.
"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz". Platão
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário