Síndrome do pote d’água

Por Josival Pereira – A Assembleia Legislativa, com as presenças dos três representantes da cidade – deputados Chico Mendes, Junior Araújo e Dra. Paula, e a Câmara Municipal de Cajazeiras, realizaram nesta terça-feira uma audiência pública para discutir o problema da gestão das águas do Açude Engenheiro Ávidos, que vou denominar de Boqueirão de Piranhas a partir deste ponto, com as águas da transposição do São Francisco.
O problema seria a apreensão das lideranças locais e da população com a liberação de grande volume d’água para o Rio Grande do Norte (consumo humano e irrigação) e para áreas irrigadas em São Gonçalo. Medo de estiagem (seca) e do Boqueirão de Piranhas atingir o nível de volume morto e comprometer o abastecimento da cidade.
O debate sempre é lícito e pertinente quando o problema é a possibilidade de falta de água para beber. Deste ponto de vista, a audiência e a discussão que tem sido feita nas últimas semanas são louváveis e merecem aplausos, e é possível que as soluções encaminhadas sejam tranquilizadoras. Deverá haver liberação de águas da transposição antes que necessidade se instaure.
Mas existem outros pontos que precisam de esclarecimentos ou serem também incluídos no debate.
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Com a transposição do São Francisco funcionando (como está) não parece haver qualquer perspectiva de insegurança hídrica na região. Se a água não está sendo liberada agora, com certeza será na hora necessária. Nenhum governador terá coragem de não “comprar” água para abastecimento, assim como nenhum presidente ousará não liberar água para garantir segurança hídrica.
Com a transposição funcionando, a perspectiva de o Boqueirão de Piranhas secar é quase nula.
Outra questão a ser avaliada nesse debate é a natureza do açude Boqueirão de Piranhas. Louve-se de alguma forma esse sentimento de pertencimento que lideranças cajazeirenses demonstram nesse momento. Porém, por lei, o Boqueirão não é de Cajazeiras. Integra a Bacia do Piranhas, que é interestadual, regional. Por isso, submetida à gestão da Ana (Agência Nacional das Águas).
Nesse contexto, se torna praticamente impossível querer barrar a liberação d’água para o Rio Grande do Norte, ainda mais se aquele Estado paga pelo serviço. E o objetivo da transposição é garantir segurança hídrica para quatro Estados – Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande.
Antes mesmo de transposição, o Boqueirão de Piranhas já tinha a obrigação de servir à bacia que também chega ao Rio Grande Norte. A consciência da seca determina que a água seja um bem coletivo apesar das disputas por sua posse e uso.
Não é a primeira vez que Cajazeiras se sente no direito ou no dever de defender o fechamento das comportas do Boqueirão. No início da década de 1990 participei, como Chefe de Gabinete da Prefeitura (gestão Zerinho), de severo embate com autoridades de Sousa e irrigantes de São Gonçalo neste sentido.
Veja-se que o problema não é novo, mas agora pode não ser tão favorável a Cajazeiras. Por três razões. Uma delas já está mencionada lá no início. Com a transposição, o risco de faltar água para abastecimento praticamente não existe. Os outros dois são o preço da água e o objetivo do uso.
Sobre preço, outro dia se divulgou que a conta de energia da Paraíba com o serviço de transposição era de R$23 milhões. Lógico que a maior parte dessa conta diz respeito ao serviço do Eixo Leste, que tem entrada por
Monteiro e garante o abastecimento de Campina Grande. O dado, porém, é importante para se saber porque se pede a liberação de água de transposição, já que o desembolso vai sair dos impostos de todos os paraibanos.
O objetivo da transposição é a garantia de segurança hídrica para a região. No entanto, projetos de irrigação de maior porte ganham autorização para o uso de águas da transposição. Todavia, com compromisso de pagamento geralmente assumidos por governo estaduais.
Então é preciso cuidado na hora de se reivindicar água da transposição. Os pequenos irrigantes são importantes, mas quem paga a conta? Em muitas regiões do Nordeste também já se descobriu que às margens de cursos perenizados as águas dá transposição são desvirtuados para o plantio de cachaça no bucho de muita gente em faustas piscinas.
O o que isso tem a ver com o problema de agora?
Tem que Cajazeiras não dispõe de nenhum projeto para uso das águas do São Francisco a não ser no abastecimento. Não conta com nenhum projeto de irrigação por menor que seja. Nada.
Pode-se alegar que não existem terras apropriadas. Talvez. Mas nem organizando pequenos irrigantes ao longo do Rio Piranhas? E por que não um projeto de agroindústria? E por que não um grande projeto turístico?
Essas perguntas deveriam mexer com os políticos e os empresários da cidade.
Se continuar sem projetos de desenvolvimento com base na transposição, Cajazeiras vai ficar sem argumento para reclamar a liberação de água. A não ser discurso de político em busca de voto. Perde para a região de Sousa e o Rio Grande do Norte.
Reparando bem a situação de agora, vale lembrar o velho militante de quase todas as boas causas de Cajazeiras, Abdiel de Souza Rolim, que definia a cidade como um grande pote d’água por ser rodeada por açudes e não aproveitar as águas para seu desenvolvimento.
É pena, mas talvez Cajazeiras tenha desenvolvido, especialmente suas lideranças, a síndrome do pote d’água.
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