Sobre a Cegueira: "Ele viu um homem"
A sacralidade do homem não é simplesmente um status ou um grau de posição a que se chega ou que se conquista. A sacralidade de cada um e de todos os homens é algo intrínseco á sua condição humana e inerente á sua criação divina. Cada homem e cada mulher são sagrados em sí e por sí mesmos. Cada um são entes sagrados pelo simples fato de Deus ternos criados á sua Imagem e Semelhança.
Então Deus disse: “Façamos o homem […]” (Gn 1,26). Por uma deliberada ação de Deus, o homem é criado á sua Imagem e semelhança de amor. É na capacidade de amar e de conhecer o criador que cada homem e cada Mulher se tornam semelhante á Deus. É Ele mesmo, o criador, que colocando a mão na massa, participa ativamente do ato criativo do homem. Deus mesmo é o agente no processo criativo, concedendo ao Homem qualidades, virtudes, capacidades, dons.
A sacralidade daquele que é a maior obra da criação de Deus, o homem, é consequência primeiro, da ativa participação divina no ato criativo do gênero humano. Portanto, toda essa realidade revela a ontológica condição de divino e de sagrado da Pessoa Humana. Para todos os outros seres criados, Deus disse: “Faça-se”, enquanto que em relação ao homem, disse Deus: “Façamos”. Vemos aqui, um envolvimento profundamente maior. Justamente por isso, o homem é o primeiro de toda Obra da Criação, pois a criação do homem é profundamente distinta de outras criaturas (Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 343; Gn 1,26).
Ao homem é dado o privilégio de ocupar um lugar único de destaque em toda obra criada. Por causa do olhar onisciente de amor lançado sobre o homem, Deus quis cria-lo não pensando nas “vantagens” que esta criação poderia trazer á totalidade da Obra da Criação. O Homem foi o único ser criado por si mesmo. O “Façamos” no sentido bíblico quer dizer que o Senhor entranhou-se intimamente na construção humana do homem, colocando nele e sobre a totalidade do amor e da ternura.
A sacralidade da vida humana reside no fato de que Deus “amou o homem desde o início e o amará até o fim”. Aqui se funda a inviolável sacralidade da Pessoa e vida humana. Quem poderá violar aquilo que o amor criativo de Deus já redimiu desde o início? O que poderá ser capaz de destruir no homem sua identidade de ser sagrado e divinizado?
A sacralidade da pessoa humana é inviolável, mesmo quando outros olhares nos desqualificam e nos ignoram. A sacralidade da Pessoa humana está muito além dos gestos de preconceito, desprezos momentâneos, de violência ou falsos juízos construídos e alimentados sobre ele. A minha e a sua sacralidade está fundamentada em alicerce sólido e indestrutível, a saber, o amor incondicional e onisciente de Deus. É este amor eterno que legitima a minha e sua eterna e inviolável sacralidade. Nem mesmo uma possível deficiência física – que no Antigo Testamento era vista como um castigo de Deus, portanto, uma condição de impureza que legitimava a exclusão social do doente ou daquele que estava deficiente.
Quando tomamos a passagem de João 9, 1-40, que relata a experiência daquele cego de nascença, que Jesus manda-o lavar-se na piscina de Siloé, percebemos aqui Jesus – o novo Homem – atualizar o ato criativo de Deus, devolvendo ao cego – Ao homem, á Pessoa Humana – a sua dignidade violada e ferida. Jesus, não somente restitui a sua visão, mas a sua profunda identidade ontológica como Obra prima da Criação de Deus e por isso possuidor de uma sacralidade que deverá ser eternamente inviolável.
Basta vermos como começa a narrativa bíblica logo no versículo 1 do Evangelho de João 9: “Ao passar, ele viu um homem, cego de nascença”. O Cristo é aquele vê sempre em primeiro plano o Homem e a sua sacralidade existencial e depois, somente bem depois, enxerga a sua deficiência circunstancial. Concordante a essa mesma atitude de Cristo, afirma o poeta francês Antoine de Saint-Exupery: “ O essencial é invisível para os olhos”. Talvez, aquilo que ninguém foi capaz de enxergar no cotidiano daquele homem, somente o Cristo foi: “Ao passar Ele (O Cristo) viu um Homem”. Nós muitas vezes enxergamos tudo com relação aos Outros: Enxergamos a marca da roupa, o estar bem ou mal vestido, as deficiências físicas e morais, os pecados e as fraquezas, os cumprimentos ou não das normas e das regras, mas somos incapazes de assim como o Cristo, vermos o Homem e a sua sacralidade ontológica e inviolável. O nosso olhar está cego.
Ver o homem e restaurar sua sacralidade inviolável foi a primeira etapa do processo de libertação que desencadeou na cura de seus olhos. A cura somente veio depois que a sacralidade de sí foi mais uma vez redimida e salva. Creio que até mesmo uma “sagrada visão” sobre sí mesmo, sobre o “ser Filho”, precisava antes ser restaurada, pois se “os olhos são a janela da alma”, nada melhor que "pelos olhos", ter início a Obra de recriar o homem . Somente depois de restaurar o Homem e sua linda e bendita sacralidade é que – aí sim – Jesus ocupa-se com a cura física, circunstâncial e não ontológica.
Assim narra o texto bíblico:
“Tendo dito isso, cuspiu na terra, fez lama com a saliva, aplicou-a sobre os olhos do cego e lhe disse: “Vai lavar-te na piscina de Siloé”. (Jo 9, 6-7)
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