Tantino voou como um bem-te-vi

Por Francisco Frassales Cartaxo – A alma voou para junto de dona Belinha e Cristiano. O corpo cansado, sem mobilidade, aqui ficou para as horas finais do ritual. Sereno nos últimos dias de vida, sem alarde, silencioso como quem não deseja incomodar ninguém, Tantino fechou os olhos antes mesmo de desligar-se do mundo. Sábado, dia 15, Célia Maria e eu passamos com ele, em sua casa de João Pessoa. Estava longe de ser aquele buliçoso charadista, teimoso, apostador em tempo de eleição, quando, esperava na moita, ofertas dos partidários apaixonados. Dava o bote, quase sempre certeiro. Anos atrás, no dia seguinte ao término da apuração, ele me chamou:
– Vamos arrecadar o que eu ganhei…
Voltamos a nos sentar em baixo das cajazeiras, que ele plantou e cuidou, na pracinha em frente à casa onde residiu a vida quase toda. Ali, sabíamos tudo que se passava em Cajazeiras e arredores. Verdades e mentiras que amigos nos contavam, passavam a pé, de bicicleta, moto ou carro e paravam. Tantino enfeitava tudo com seu notório humor de contador de histórias. Esta imagem está presa n’alma e ficará comigo até quando eu viajar, também, para ficar ao lado de minha mãe, a fim de ver seu riso contido e a gargalhada até às lágrimas de felicidade de meu pai!
Dos seis filhos homens de Cristiano e Isabel, incluindo Evangelista, que nasceu doentinho em 1948 e morreu com poucos dias de nascido, dos irmãos, Tantino foi o que mais tempo conviveu com nossos pais. Após rodar pelo Ceará, Sergipe e uma esticada para estudar em Salvador, regressou à terrinha e nunca mais saiu. Nem quando ingressou, por concurso, no Banco do Brasil, no tempo em que ser bancário dava status de rico no sertão. Foi assim que ele posou os olhos na linda filha de João Braga, a primogênita de dona Nininha, por muitos rapazes desejada para esposa.
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O casório se deu no mais tradicional festejo de seu tempo.
Não demorou a construir uma casa no sítio onde moramos. Não onde ele nasceu. O Sítio Prensa, símbolo físico, material da origem da família Cartaxo, foi onde veio ao mundo, em 1933. A seca de 1932 forçou meu pai a lá abrigar-se, na casa encostada ao açude construído no tempo do patriarca da família, o português Joaquim Antônio do Couto Cartaxo. Na a cegonha também chegou com Teca, em 1935. Pois bem, entre o centenário pé de tamarindo, com ninhos e cantos de bem-te-vis, rolinha, sabiás, e a casa toda avarandada de nosso pai, Tantino acomodou seu tugúrio, cercada de árvores, quase sempre carregadas de frutos de época.
Casas de poetas, pode acreditar.
Memória excepcional, Tantino costumava recitar, corrige aqui, melhora ali, troca a rima, só então pegava o lápis ou, tempos depois, abria o computador para catar milho. Às vezes, deitado na rede deixava vazar os sentimentos balbuciando rimas, refazendo versos. Não fazia concessão aos modernismos… Semana da Arte de São Paulo? E daí? Seu apego à rima e à métrica era quase doentio. Devia ser o espírito parnasiano do pai, que sempre povoou a Vila Isabel, do qual eu escapei por milagre, ainda hoje um mistério para mim! Não é sem razão que, na Academia Cajazeirense de Artes e Letras, Constantino Cartaxo ocupa a Cadeira nº 10, cujo Patrono é o poeta Cristiano Cartaxo Rolim.
No refúgio caseiro, Elita e Tantino tiveram quatro filhos. Duas mulheres e dois homens. Charmênia, Júnior, Giovanni e Charlênia. Meio a meio. Igual aos nossos pais, que botaram no mundo seis homens e seis mulheres! A família de meu irmão se completa com sete netos e netas e sete bisnetas e bisnetos. Sete?
Tantino habituou-se a vê-los, reunidos, na casa construída no Condomínio Parque Verde, em João Pessoa, para onde rumou de malas e poemas nestes últimos anos de vida. Na verdade, lá estava o físico, o corpo, a matéria. A alma, não. A alma nunca deixou Cajazeiras. Disso eu tenho certeza absoluta, até por sentimento próprio. Ali se despediu em clima de serenidade, refletido nas palavras da neta, a linda Thaís, escritas no grupo Família, ontem à noite, dia 18 de novembro de 2025:
Boa noite família! Vovô Tantino descansou agora, às 22:10.
Foi tranquilo. Acabou o sofrimento dele.
Sócio da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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