Águas, mercadoria, votos

Por Mariana Moreira – A interdição da BR-230, na região de Cajazeiras, neste dia 26 de novembro, em protesto realizado por ribeirinhos, agricultores e pescadores que dependem, diretamente, das águas do Açude de Engenheiro Ávidos, traz a cena uma discussão que, historicamente, foi e vem sendo articulada e indicada como necessária para se pensar a relação entre recursos hídricos, estiagens e convivência com o semiárido.
O Açude de Engenheiro Ávidos integra, na região do Alto Sertão Paraibano, um dos principais reservatórios contemplados com o recebimento das águas que circulam em canais e tuneis que integram o projeto de transposição do São Francisco.
O Açude de Engenheiro Ávidos foi inaugurado em 1936, como parte da política de “combate as secas”, que trazia como referência a construção de grandes obras hídricas e que, de verdade, beneficiavam apenas grandes latifundiários e grupos políticos oligárquicos que usavam e ainda usam as estiagens como alimento de seus interesses políticos e moeda de barganha em negociatas e arranjos político-eleitoreiros.
Atualmente, o açude é um dos principais mananciais que abastecem a cidade de Cajazeiras e outras comunidades, além de abrigar no seu entorno atividades de pesca, de produção de alimentos em pequenas propriedades que se beneficiam das águas que são canalizadas para o Açude de São Gonçalo.
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Mas, qual motivação alimentou os manifestantes a interditarem a BR-230, no dia 26 de novembro?
A liberação, em grande quantidade, das águas do Açude Engenheiro Ávidos vem desencadeando o seu esgotamento, com o nível da água atingindo índices muito baixos e comprometendo, de forma dramática, tanto o abastecimento de cidades e comunidades, como o desenvolvimento de atividades como a pesca, o cultivo de hortaliças, legumes e frutas que, tradicionalmente, foi e está sendo desenvolvido, por pequenos agricultores, em suas margens e ao longo do canal que interliga o manancial ao Açude de São Gonçalo. O colapso dessas atividades afeta a vida de várias famílias e de milhares de outras pessoas em mercados consumidores como Cajazeiras, Sousa, Marizópolis.
Os ecos e brados dos manifestantes na interdição da BR-230 ressoam e trazem a memória o gesto político de D. Luiz Flávio Cappio, então bispo da Diocese de Barra, na Bahia. Nos anos de 2005 e 2007 o prelado realizou greve de fome denunciando o Projeto de Transposição do São Francisco como a edição moderna e recauchutada dos clássicos programas de combate a seca. Dom Luiz defendia que os recursos a serem investidos que, até 2022, foram de mais de 14 bilhões de reais, deveriam ser utilizados para revitalizar o rio e atender as comunidades ribeirinhas, que já sofriam com a escassez de água. Não para abastecer grandes empresas e outras regiões.
Ora, a transposição está em curso e ribeirinhos, agricultores e pescadores reeditam os gestos de D. Luiz Cappio, denunciando a velha e atualizada indústria da seca.
Afinal, o que mudou?
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