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Francisco Cartaxo

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O jumento sedutor vem aí todo enfeitado

04/08/2014 às 16h34

Ariano Suassuna viajou no dia 23 de julho. Não voou por medo de avião. Resistia a subir num bicho daqueles e olhar do alto o buraco imenso lá em embaixo. Preferia a buraqueira das estradas. Por isso foi a cavalo. Ele pós os arreios no animal, amarrou bem a cela, vestiu o gibão, pendurou um bornal de couro cru, não sem antes conferir mais uma vez o conteúdo, pulou na sela, enfiou o chapéu de aba quebrada na frente. E, já escanchado, o pé no estribo, solta o grita: 

– Ei, magote de desocupado, vou-me embora. 

E se foi. O grito ecoou tão alto, tão alto que foi bater na Pedra do Reino, ressuscitou o pai, João Suassuna na Fazenda Acauã, despertou João Grilo em Taperoá, fez Chicó se benzer diante do bispo e do padre. O grito acordou a mulher do padeiro e o próprio. Junto do Rei Degolado, Quaderna, o Decifrador, fala da Onça Caetana, de muitos viventes da lavra literária de Ariano, espalhados embaixo ou em cima da terra, no sertão de Guimarães Rosa, verde e cheio de rios, nos outros sertões. Fala do Brasil oficial e do Brasil real. Quaderna fala também do Brasil ignorante, onde predominam asneiras e burrice, a moça da televisão, extasiada diante do alvoroço causado pelo grito, a descobrir que existe um tal de Adriano Suassuna… 

Ufa, a voz rouca de Ariano ribombou mundo afora. 

Mas que diabo Ariano meteu naquele bornal de couro cru?

O jumento sedutor. 

Isso mesmo. Não se espante. Ariano guarda surpresas desde sempre. A última ele deixou na Editora José Olympio, no Rio, no formato do livro: O jumento sedutor. Vem aí uma obra-prima, na avaliação, (suspeita, é bem verdade), do escritor Raimundo Carrero, autoproclamado filho intelectual de Ariano. Daí a suspeição. O jumento sedutor é o derradeiro escrito de Ariano, mexido e remexido ao longo de muitos anos, seguindo a lição das lavadeiras de antigamente, ensaboa a roupa, bate na pedra, molha outra vez, espreme, bota no quarador, lava de novo, bate na pedra, enxágua etc. etc., como ensinou Graciliano Ramos. Tanto é assim que duas vezes Ariano pediu de volta da Editora o calhamaço. E duas vezes, burilou o texto, cortou e aduziu palavras e desenhos. Isso mesmo, o livro está recheado de gravuras feitas pelo próprio Ariano. No capricho.

Afinal, o livro trata de quê? 

Uma Revelação, diz Carrero, depois de ler os originais. “Não é uma novela, não é também um romance, por aquilo que supera em muitos pontos o que se diz numa obra de ficção, com os seus seres transtornados, felizes e as almas sacrificadas. É mesmo uma Revelação ao trazer o espírito vivo, mágico, grandioso do verdadeiro Brasil”. Construído numa mistura de técnicas narrativas, de símbolos, metáforas, com gente e jeito de circo e do romanceiro popular, tudo carregado de vida, amor e morte. 

O imortal viajou coma Onça Caetana na garupa, ela disfarçada de uma fêmea, entre delírios e prodígios a lhe exibir agressivamente os peitos. E ele, fascinado, beija-os, e, ao mesmo tempo em que os morde, é picado pela cobra-coral, enrolada feito um colar úmido no pescoço da Moça Caetana. Então, ele é fulminado nos estremeços obsenos da morte. Assim se foi entre o gozo e a morte, a estremecer todo, cerrando os dentes, abrindo e fechando a boca no espasmo do Gavião. 

Foi de vez, mas ficará para sempre eternizados em seus personagens. Como sonhou.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

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